terça-feira, 5 de outubro de 2010

O Engodo Capitalista





O capitalismo, para esclarecimento, baseia-se num sistema econômico em que a maior parte do capital é privada, isto é, encontra-se na mão de pessoas e não do Estado. O mercado deve ser gerido “livremente” e “espontaneamente”, sem que haja a interferência do Estado (no caso do neoliberalismo máximo) ou com pouca interferência do Estado (no liberalismo). Existe ainda uma corrente denominada anarco-capitalista, que acredita não haver necessidade de um Estado (nem para garantir os direitos básicos de um cidadão), pois a Economia se autorregularia.

A característica marcante para se obter o capital em um sistema capitalista é a obtenção do lucro. O lucro, por sua vez, pressupõe o aumento e a acumulação do capital. Como isso ocorre? De várias maneiras. Quando se compra um apartamento, por exemplo, não para morar, mas para investir. Provavelmente a pessoa que comprou fez um estudo daquela área e viu que ela tende à valorização. Dessa forma, caso paguemos 130 mil num apartamento, ao final, podemos vendê-lo por 260 mil, sendo que a inflação real desde a compra, até a venda foi de 10%. Caso não tivesse havido nenhuma valorização, então o apartamento valeria 143 mil reais e não existiria acúmulo de capital. Porém, como o imóvel passou a valer 260 mil, então ocorreu uma valorização real de 55%, portanto o lucro gerado foi de 55%. Outro exemplo ocorre com as lojas, sejam as mais diversas. O custo final de um produto decorre da matéria prima + mão de obra + despesas + lucro. Mas o lucro é legítimo, o lucro é ético?
Para respondermos a essa questão, devemos pensar nos preceitos de uma vida social. Pode coexistir cooperação e disputa ao mesmo tempo? Se sim, como? Pode um cidadão lucrar, isto é, ter vantagem sobre o outro (pois no lucro há sempre o que ganha, mas, em contrapartida, há sempre o que perde)? Ainda que consideremos o lucro legítimo alicerçado por um argumento meritocrático, como, caso todos resolvessem lucrar, uma sociedade capitalista funcionaria? Em outras palavras, se todos fossem donos do capital, qual/quem seria a força de trabalho, o proletariado? Como se daria a relação entre empregador e empregado se essa passaria a não existir? A partir dessas indagações fica óbvio que em um sistema capitalista, sempre haverá os que perdem e os que ganham, pois ele próprio se destruiria caso houvesse uma equiparação de capitais. E, nessa perspectiva, como poderia funcionar um sistema em que todos resolvessem estudar, instruir-se e ocupar cargos considerados altos ou ainda caso todos resolvessem ser empreendedores? O sistema simplesmente ruiria, pois as dicotomias entre capital x empregado entre o que lucra x o que perde estariam acabadas.

Decorre do problema gerado acima uma outra premissa falsa do capitalismo: a ideia de mobilidade social. Falsa, pois o capitalismo prega que todos podem construir uma vida melhor caso batalhem para isso (em oposição ao sistema feudal, por exemplo, em que a mobilidade social é praticamente nula). O que os defensores do sistema capitalista se esquecem de dizer é que a mobilidade social, embora ocorra de fato, é limitadíssima e o próprio sistema a limita. Não há espaço para grandes mobilidades sociais e se essas acontecem há prejuízo de outros grupos sociais. Peguemos o exemplo brasileiro atual que é a ascensão da classe C, ou seja, a subida na pirâmide social de uma camada da população que outrora era considera pobre e agora passa a integrar a classe média baixa. Pode ser que, em um contexto nacional, nenhuma pessoa esteja perdendo e, por isso, encontramos dificuldades em perceber isso. Mas em um panorama global será que não houve perda? Para ilustrar melhor a situação, ainda que praticamente todos os países do globo tenham melhorado de situação, caso os seus dados sejam comparados aos de 1970, a diferença entre os países ricos e pobres aumentou. O PIB per capita dos países ricos cresceu mais que o dobro de 1970 até hoje em comparação com os países pobres, ou seja, apesar de ter havido uma melhoria geral, a DIFERENÇA, que é o cerne capitalista não se alterou. Voltemos agora ao Brasil. Apesar de os indicadores sociais terem aumentado para todos, a concentração de renda medida pelo índice GINI permaneceu praticamente inalterada. Na verdade, o GINI brasileiro de 1960 era mais baixo, ou seja, o Brasil era mais igual que o GINI dos anos 90. Durante a época da ditadura, apesar de ter ocorrido o “milagre econômico” e o Brasil ter crescido, em média 7% ao ano, a concentração de renda e o GINI brasileiro só aumentaram. Após anos de aumento, finalmente, com a implantação do Plano Real e, posteriormente com o governo Lula, o GINI começou a cair de maneira discreta. Ainda assim, a queda é praticamente irrisória. Se não houve grande diferença na concentração de renda no Brasil, podemos falar de fato em uma igualdade social ou apenas na melhoria geral dos brasileiros em que a diferença entre ricos e pobres permaneceu praticamente inalterada?

Mais uma vez fica claro que a diferença entre classes sociais, a ideia falsa de ascensão social para todos e o estreitamento das diferenças são prerrogativas inatingíveis pelo capitalismo. Por conseguinte, como podemos viver de maneira social pensando de maneira individual? Parece-me muito contraditório ao ponto de o status quo ser bem temeroso em relação a isso, moldando-nos, como já dizia Althusser, através de aparelhos ideológicos de estado (AIE) e os aparelhos coercitivos de estado (ACE). Claro que essa moldura é sutil e difícil de ser percebida, pois uma vez que já nasçamos com a ideologia capitalista, tendemos a interiorizar essas ideias como sendo naturais e achando absurdas e utópicas outras concepções político-filosóficas de meios de produção. Mais absurdo ainda é quando pegamos exemplos mal sucedidos de implantação de outros sistemas ao redor do mundo. Mas será que esses sistemas funcionaram conforme os seus precursores pensavam e mais será que a implantação desses sistemas e as suas possíveis falhas não foram bem engendradas pelos próprios capitalistas a fim de minar qualquer possibilidade de que outros países adotassem DE FATO outras ideologias?

Um comentário:

  1. Nossa Bernardo você nos deu verdadeira aula sobre capitalismo...Seu texto me elucidou muitas coisas que desconhecia....Obrigada pelo excelente texto...Quando o lemos ficamos cada vez mais enriquecidos............Obrigada por nos proporcionar tudo isso.....Beijos no seu coração...........

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