sábado, 30 de abril de 2011

Resultados do Censo 2010 do IBGE azedam a pizza brasileira




E no final, tudo vai terminar bem. E no final, tudo termina em pizza. A tão proclamada pizza, que para alguns é saborosa e para outros definitivamente não, iguaria icônica como ela só para representar a “cordialidade brasileira”, parece ter azedado. Não foi dessa vez que a pizza deu o ar da alegria e do terminar bem. Mas será que todos concordam com o final triste? Bom, o censo de 2010 balança a cabeça com o sim. Pertinente mesmo recorrer a essa metonímia, porque não é alguém que concorda, é “o censo”. Mas, longe de mim ficar em cima do muro, pego a metonímia e personifico-a: penso SIM que a pizza tá com um gosto horrível. Pergunto novamente: será que todos concordam?

De 2000 (ano do penúltimo censo) até 2010 o Brasil passou por uma suposta revolução política. Eis que finalmente, em 2002, um partido, até então de esquerda, assume o poder. Sai um sociólogo, de linguajar refinado e pomposo e entra um “lula do povo”. Eu já questionava o fato de a lula ser realmente um alimento do povo. Eu pensava que era a tal pizza ou seria o frango? Entretanto, essa lula era especial: não vinha do mar, era da terra. Além disso, falava, esbravejava, dizia-se popular, quiçá pensava. Daí que caiu na graça do povo. Pena que o alimento se personificou – nem pôde, com isso, matar a fome dos mais pobres –. Atendia agora pelo L maiúsculo: era Lula e não mais lula. E, provando que não era homofóbico, tampouco conservador, mudou de sexo: o Lula e não mais a lula.

Os projetos políticos, já do Lula personificado, eram audaciosos. No final de seu governo, todos teriam um prato de comida à mesa. Fome Zero. A ideia foi logo abandonada, ou melhor, reformulada para o Bolsa Família. Juntando uma migalha do bolsa escola, do bolsa gás e de tantas outras (por isso 4 milhões a mais de mulheres nesse país, é muita bolsa) o presidente, com toda a sua equipe, deu um passo social importantíssimo para o nosso país: a quantidade traduzida em números estupendos. Já não importava mais o que era ou como funciona o programa, mas sim a divulgação de quanto se gastava e de quantos brasileiros estavam sendo beneficiados. Embalado por esse frenesi quantitativo, Lula e sua equipe criaram o Pro-Uni e o Pro-Jovem. Afinal, o Brasil é um país de todos. Precisamos de pessoas na faculdade. Precisamos de pessoas analfabetas sendo alfabetizadas. Precisamos de pessoas que não terminaram o primeiro grau para concluírem-no. Precisamos de pessoas porque elas fazem números. E números grandes são bonitos de ser mostrados à população.

Tiro saiu pela culatra. Melou. Babou. E foi fogo amigo: o censo. Eis que ele – o implacável censo – despertou a fúria de números latentes, revoltados, rebeldes, que se manifestaram e se voltaram contra o governo. Se, desde o último censo até então, o de 2000, para o de 2010 passaram-se dez anos, oito foram sob a égide do “Lula do povo”. Tanto progresso em oito anos. O Brasil se tornou respeitado lá fora, a classe média passou a ser a maioria no país, a lula – alimento – conquistou a popularidade, milhares de brasileiros entraram na faculdade e foram alfabetizados pelos programas sociais do governo. Números, números. Mas os revoltosos não aguentaram: vieram à tona. Se eu dissesse que 60% dos domicílios brasileiros têm renda per capita mensal de até um salário mínimo, vocês acreditariam no poder da “nova classe média? E se eu completasse essa informação acrescentando mais quinhentinhos reais e falasse que esse número subiria para 82,4% dos lares brasileiros? Ah sim, desculpe-me, esqueci-me dos dez reais que faltavam. Eles são para comprar a lula. O quê? Os 510 reais são o bruto e não o líquido? Não vai sobrar dinheiro para a lula? Não importa, afinal o que conta é o bruto mesmo, né? Que se parcele a minha lula no cartão e mês que vem eu pago! Anota aí, que eu vou parcelar a minha compra! O quê? Você não sabe escrever? Tá bom, você nem é um alienígena. São 9,6% de analfabetos, no Nordeste quase 20%. Mas é claro que vários jovens foram alfabetizados, o problema são os aposentados vagabundos que não querem voltar a trabalhar, tampouco estudar. Vão para a escola e aprendam a ler para diminuir a taxa de analfabetismo do Brasil!

Como o novo governo – continuação do antigo – vai solucionar esse pepino? Pois agora os números revoltosos não estão a favor. Talvez seja melhor falar de Copa do Mundo e Olimpíadas, afinal quem se importa com esses problemas sociais? Aquele governo longínquo já tinha feito isso, não é mesmo? Se a crise é mundial, vamos dar o nosso capital? Vendamos tudo. Deixa o povo protestar com as privatizações. Dos males o menor. Não vão nem perceber o pífio crescimento de 98 e 99, pelo contrário, vão estar mais preocupados em não perder o emprego, já que agora grande parte das empresas é particular e não mais pública. Problema resolvido. Só recorrer à história recente do país. E vamos combinar que falar sobre Copa do Mundo e Olimpíadas é muito mais prazeroso do que privatizar empresas e aumentar o desemprego, né? Números revoltosos, definitivamente vocês foram debelados! Para requintar o circo com pão, eis que aumentemos os benefícios do Bolsa Família. Pronto, demos circo, pão e mantega, ops, manteiga. Podemos até chamar os injustiçados do mensalão de volta, ninguém vai protestar: hein, Delúbio, por onde você anda? Volta para cá, amigo!

Graças a Deus, eu nunca fui chegado a um circo. Gosto – e acredito nos números revoltosos – eu sou uma resistência que ainda não findou. Não quero ser estraga prazeres, mas eu quero mesmo que essa pizza azede bastante. E muito. Talvez assim haja mais números revoltosos que, ao menos com alguma dignidade, ainda achem um descalabro a volta do Delúbio Soares. E venham mais números rebeldes para não aceitar que o ex-presidente do Senado, Renan Calheiros, que renunciou ao cargo em meio a escândalos de corrupção, torne-se agora membro do Conselho de Ética do Senado. Isso é sim muita falta de ética. Talvez para esses tais, a pizza não azedou mesmo. Mas para a maioria ela está estragada. O pior é que a maior parte não sabe. Ah, e a tal lula popular que trocou de sexo, passando a ser atendida no masculino e com o L maiúsculo não provou ser anti-homofóbico. O projeto de lei que tramita no parlamento tá lá, quietinho. Mas tá tudo bem. Se o censo azedou a pizza para os mais conscientes, é só reinventar o pão com circo, aprimorá-lo, modernizá-lo. Afinal, né brasileiros, a pizza pode estar amarga, mas se o pãozinho for gostoso e ainda estiver com manteiga para que brigar? Eis a nossa distinção, o nosso charme – a nossa cordialidade.