terça-feira, 9 de novembro de 2010

Programa de Transferência de Renda: Bolsa Família e Food Stamps

Assistencialistas, Políticos, Necessários?



1- Os programas

Cerca de 11 milhões de famílias, em média 35 milhões de brasileiros, são beneficiados pelo programa Bolsa Família, um dos maiores programas de transferência de renda da atualidade, encontrando talvez apenas o americano Supplemental Nutrition Assistance Program (SNAP) como concorrente ao título. O “Food Stamps”, como é popularmente conhecido nos EUA, abrange em torno de 40 milhões de famílias.

O projeto do Bolsa Família nasceu da integração de alguns programas já existentes no governo FHC: bolsa-escola, bolsa gás e outros. Todos esses auxílios foram incorporados e melhor estruturados pelo projeto do Bolsa Família, que veio para substituir um outro projeto, o Fome Zero. Em um primeiro instante, de caráter assistencialista e emergencial, o programa visa a tirar as famílias consideradas extremamente pobres (menos de 70 reais per capita por mês) e pobres (até 140 reais per capita por mês) da situação de penúria, proporcionando condições mínimas para a sobrevivência. Mais importante, contudo, é a necessidade de os beneficiados preencherem alguns pré-requisitos: os filhos estarem regularmente matriculados na escola e com a carteira de vacinação em dia. A transferência de renda do programa varia conforme a renda per capita da família e o número de filhos, sendo o mínimo de 22 e o máximo de 200 reais de auxílio.

O “Food Stamps” americano segue um padrão bem parecido com o brasileiro. A criação do programa data de 1939 e é creditada ao Ministro da Agricultura da época Henry Wallace. O administrador do auxílio era Milo Perkins. Na época o programa funcionava da seguinte forma: os selos laranja indicavam que a pessoa poderia comprar os produtos a custo de produção. A cada um dólar que era gasto no selo laranja, 0,50 centavos de dólares de beneficio eram dados aos beneficiados. Com o selo laranja podia-se comprar qualquer comida, o selo azul permitia apenas uma lista prévia elaborada pelo governo. Dessa forma, o “Food Stamps”, tornou-se um dos primeiros programas de auxílio de transferência do mundo. Ao longo dos anos, o programa passou por várias reformas. Atualmente, existem várias concessões: imigrantes ilegais, por exemplo, não tem direito ao auxílio. Em termos monetários, o Food Stamps americano estabelece uma linha mínima de pobreza, proporcionando benefícios, em média, de 133 dólares por pessoa.

Dados:

Bolsa Família:

Abrangência: Cerca de 35 milhões de pessoas.
Benefícios: De 22 a 200 reais.
Gastos do governo com o programa: 13,4 bilhões de reais (projetado para 2011)

Food Stamps:

Abrangência: Cerca de 40 milhões de pessoas.
Benefícios: Média de 133 dólares por pessoa, chegando até a 650 dólares para uma família dependendo das condições
Gastos do governo com o programa: 56 bilhões de dólares (dados de 2006)


2- Reflexões sobre os programas



O que se pode perceber de antemão é o maior gasto e maiores benefícios do programa americano em relação ao brasileiro. Isso, contudo, não significa maior eficácia do primeiro sobre o segundo. Há de se ressaltar o custo de vida americano e o padrão do que é ser pobre no país, um limite bem superior ao brasileiro. Segundo a maioria das classificações, pobre nos EUA são famílias de quatro pessoas com renda anual inferior a 22 mil dólares, cerca de 37.500 reais por ano, ou 3125 reais por mês, sem contar o 13º salário. No Brasil, a linha de pobreza é de 255 reais per capita por mês, ou 1.020 reais para quatro pessoas e 12.240 reais por ano. Dessa forma, percebemos, na média, que a linha de pobreza americana é até três vezes superior à brasileira. Cabe enfatizar, mais uma vez, o fato de o custo de vida nos EUA ser mais alto, portanto haver a necessidade do PPC (poder de paridade de compra).

Em relação às críticas os dois programas se assemelham: ambos são tidos como “instigantes à vagabundagem” ou assistencialistas. No caso americano, no entanto, o Food Stamps parece ter um peso político muito menor que o Bolsa Família brasileiro. Nos debates presidentes, por exemplo, quase não se fala do Food Stamps e ele é pouco usado como manobra eleitoral, talvez porque ele seja muito mais antigo em comparação ao auxílio brasileiro e, portanto, já enraizado como parte do cotidiano do cidadão americano de baixa renda. O Bolsa Família, todavia, é bem recente (2003) e é usado fortemente na esfera política, tanto de maneira positiva, quando de maneira negativa. Os contrários ao programa falam que, além de assistencialista, o auxílio é usado politicamente, tanto para divulgar as melhorias que o governo está fazendo, quanto para ganhar suporte eleitoral dos privilegiados pelo programa. Alguns vão além e dizem que o programa se tornou o “voto de cabresto” moderno.

Esse racha gerou calorosos debates entre os brasileiros. Os contrários diziam que o governo só faria o sucessor devido ao programa, enquanto os defensores diziam que ele era necessário para prover as famílias do mínimo necessário. Houve uma grande divisão entre regiões mais pobres e, consequentemente, onde há um maior número de beneficiados, e as regiões mais ricas onde há menos contemplados . Muitos argumentos usados pelos detratores se demonstraram falaciosos: mesmo sem o Norte e o Nordeste a candidata da situação teria vencido.

Além disso, parece existir um esquecimento por parte dos críticos de que, como já mostrado, os programas de transferência de renda existem em vários outros lugares (África do Sul, México, Chile e a cidade de Nova York, com o Opportunity NYC) demonstraram interesse em se inspirar no Bolsa Família. Outros países, como o próprio EUA, Canadá, Noruega, Suécia, França,etc, já adotam auxílios monetários há décadas. E mais: com auxílios até maiores e, em um primeiro instante, com um caráter assistencialista até maior. É preciso lembrar que para se receber o Bolsa Família as crianças devem estar matriculadas nas escolas. Sendo assim, não se pode falar tão somente em um programa assistencialista, mas também em um programa que visa à melhoria dos níveis de educação básicos do país, pelo menos no aspecto quantitativo, já que no qualitativo realmente o programa em nada contribui.

Talvez, uma das alternativas para “despolitizar” o Bolsa Família seria colocá-lo na Constituição Brasileira, pois dessa forma se tornaria uma lei e o programa não poderia acabar, caso outro governo assumisse a presidência. O auxílio de um salário mínimo às pessoas com mais de 65 anos que não tem renda não é usado de forma política, justamente por já fazer parte da Constituição. Dessa forma, não adianta alguém falar que o programa será usado de “forma política”, pois se é lei, para ser mudado, precisaria de aval do Congresso e isso geraria um menor temor dos possíveis eleitores que votam a favor do governo com medo de a oposição acabar com o auxílio, caso vença.

Ademais, argumentar que o programa gera uma “acomodação” por parte dos beneficiados parece um tanto frágil. Primeiramente porque se não houver nenhum tipo de ajuda como essas pessoas poderão, ao menos colocar os filhos na escola? Não estamos falando de pessoas de classe baixa, mas de pessoas de classe baixíssima, que muitas vezes não tem dinheiro para o transporte. Sem ajuda, menos dinheiro, com menos dinheiro mais limitação ainda para essas pessoas. É fácil, em teoria, dizer que todos podem estudar e vencer na vida, mas, como o velho clichê já dizia e é importante enfatizar: como uma pessoa preocupar-se-á com o estudo se não tem o mínimo das necessidades básicas atendidas? E como dizer que a educação é a solução de tudo se o povo tem fome? Ninguém vai esperar onze anos para terminar o Ensino Médio e poder comer decentemente. A comida é diária. A necessidade de nutrição e de dignidade também. Por isso, muito mais do que acabar com o programa ou chamá-lo de assistencialista, ele deveria ser ampliado, englobando uma parcela maior da população.

5 comentários:

  1. Excelente abordagem sobre Bolsa Família e o programa social americano -
    Supplemetal NutritionAssistance Program(SNAP)Você com sua eficiência e inteligência traçou um paralelo entre os dois programas sociais, de maneira objetiva, elucidativa e de muita profundidade....Nossa como aprendi sobre estes dois progaramas sociais...Adorei....Continue sempre nos enriquecendo com seus artigos....Parabéns.....

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  2. Parabéns Bernardo! Vamos acabar com o tabu do Bolsa Família, elevando -o como obrigação do poder público. Primeiro: comida na mesa!

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  3. Sensacional matéria....Servirá de subsídio para vestibular....Excelente...........Parabéns..........

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  4. Nossa que matéria bem redigida.Deu-nos uma tremenda aula sobre o Bolsa Família....Parabéns.........Vou ser leitor assíduo do seu blog...Vale a pena.....Como aprendemos........

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