quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Moda: Fútil ou Essencial?









Não é de hoje que a Sociedade Contemporânea costuma ser um pouco hesitante quando falamos em moda. Muitos argumentam que a roupa não passa de uma mera capa convencional que tem como único objetivo cobrir a genitália das pessoas. Para os indivíduos pertencentes a esse grupo (pessoas das mais diferentes classes sociais e níveis de instrução) a Moda seria uma questão dispensável, comumente considerada fútil e fugaz. Em oposição ao grupo supracitado, temos os amantes da Moda em diferentes níveis e que utilizam argumentos variados para justificar a relevância do assunto. Quais são os pontos comuns a esses dois grupos e até que ponto eles estão certos? Seria a Moda importante ou dispensável à Sociedade Contemporânea?

Para analisarmos os questionamentos levantados acima, devemos primeiramente entender como os indivíduos lidam com o assunto, sejam eles amantes ou não da Moda. O primeiro plano que pretendemos expor é talvez o de maior ligação entre pessoas do cotidiano e a Moda: cobrir-se. Nesse âmbito, a questão é tratada como fulcral tão somente para atender aos valores éticos da contemporaneidade: não mostrar as genitálias em público. Ainda há a questão de adequação da roupa aos costumes culturais da região e às diferentes ocasiões, ou seja, não se espera uma mulher de biquíni indo a uma faculdade ou um homem de vestido saindo pelas ruas de uma cidade. Em suma, nesse nível a roupa tem o papel ético de servir como um tecido que cubra as partes consideradas impróprias para exposição pública e adequar-se moralmente a cada tipo de ocasião de acordo com a cultura a qual a pessoa está imersa. Para os indivíduos que pensam em moda dessa maneira chega a ser um fardo comprar roupas. Falar em cortes, modelos e marcas então é um assunto demasiadamente entediante para eles.

Em um segundo nível, encontramos pessoas que, além de se preocuparem com os fatores acima expostos, vão um pouco além: não basta a roupa servir como pano para cobrir genitálias e adequar-se às normais culturais, a vestimenta deve ser esteticamente bonita, apresentar um bom corte e valorizar o corpo. Nesse nível, encontramos tanto amantes da moda, quanto pessoas que apenas querem ficar bonitas utilizando-se de acessórios e ornamentos que possam proporcioná-las uma melhoria estética. Existe, portanto nesse grupo uma gama variada de membros: os tradicionais, ou seja, os que seguem as roupas clássicas e não se importam muito com tendências, novos estilos e desfiles de moda. Para esses, o importante é comprar somente quando a peça que eles usam já não é mais bonita. Então vão às compras renovando o guarda-roupa com peças similares, porém novas. Os “osmoseiros” (os que seguem a tendência por osmose) que vêem roupas novas e estilosas sendo usadas por pessoas comuns nas ruas, em novelas, no ambiente de trabalho, etc, e resolvem aderir ao novo estilo, sem uma reflexão prévia. Esse grupo raramente acompanha os desfiles de Moda, mas segue as tendências indiretamente através de outros membros da sociedade considerados ícones. Finalmente, o terceiro grupo (ainda pertencente ao segundo nível) são os chamados fashionistas, que acompanham rigorosamente os desfiles, estão por dentro do que acontece no mundo da Moda e procuram seguir as tendências e ditá-las. Ponto comum para todos serem encaixados no mesmo grupo? Apresentarem uma preocupação estética com a roupa que perpassa o primeiro nível exposto no parágrafo anterior.

O terceiro e último nível são os indivíduos que, além de terem todas as preocupações apresentadas acima pelos dois níveis supracitados, vão um pouco além: utilizam a moda como um instrumento para passar suas idéias, suas visões de mundo e suas contestações ou aprovações em relação às tradições culturais. Para esse grupo não basta se vestir e se vestir de forma bonita, é preciso que a roupa passe um conceito, expresse uma identidade clara. Sendo assim, se uma calça xadrez “está na moda”, provavelmente o segundo grupo (excluindo-se os tradicionalistas) iria usá-la sem saber exatamente o porquê de o xadrez estar na moda, o que significa uma peça xadrez, o que essa roupa passa em termos conceituais. Já os membros do terceiro nível não; iriam questionar o porquê do xadrez, qual a relevância do xadrez para eles e de que modo essa tendência pode ou não se coadunar à visão de mundo desses indivíduos. Se essa roupa não estiver em consonância com os valores culturais e visões de mundo que essa pessoa pretende passar, ela não vai usar essa peça, independentemente, de estar ou não na moda. Nesse âmbito, muito mais que seguir tendências, a Moda é vista como ideológica: subversiva ou não aos valores de uma sociedade, em consonância ou não com o status quo de uma cultura.

Tendo separado a relação que as pessoas têm com a Moda em três níveis, seria interessante agora responder às perguntas levantadas no parágrafo inicial: existem pontos em comum entre esses três níveis e em que aspectos a Moda é ou não fútil? O ponto em comum a que chegamos é o fato de todos, em uma sociedade, serem obrigados a se cobrir com roupas sob pena de ‘atentado violento ao pudor”, caso descumpram essa lei. Outro ponto é a questão da pertinência da roupa de acordo com a cultura e ao local. Nenhuma pessoa de bom senso iria ao trabalho de sunga ou biquíni da mesma forma que nenhuma pessoa de bom senso iria à praia de terno e gravata. Mas só isso não é Moda, não é verdade? Porque se parasse por aí, não precisaria haver desfiles de Moda, novas tendências e estilos diferentes, afinal as roupas seriam sempre as mesmas, atemporais, mudando tão somente de acordo com a ocasião. Mas e as pessoas que expressam, ainda que não se dêem conta disso, através das roupas?

Chegamos, então, a um ponto interessante: aos grupos culturais identificáveis através da roupa. Dentre eles temos os religiosos (padres, freiras, muçulmanos, monges, etc) os de profissão (médicos, dentistas, enfermeiros) os de gostos parecidos (emos, punks, pagodeiros, fukeiros, rockeiros) todos, por mais diferentes que sejam, usam a roupa como símbolo e representação de um grupo, tanto é que logo os identificamos. Como eles podem pensar que a Moda é fútil se eles se utilizam justamente da roupa como uma forma de pertencimento a uma classe? Claro que eles poderiam pensar que estamos misturando alhos com bugalhos e que Moda não é isso, Moda é apenas aquilo que vemos nas passarelas, pessoas que ditam tendência, fashionistas que estão trocando de roupa e estilo de dois em dois meses, etc. Mas será que a Moda é apenas isso? Dessa forma, os grupos acima não se sentiriam pertencentes ao assunto e até o menosprezariam sob o pretexto que o que eles vestem não é Moda? Talvez os membros aqui intitulados como “os de gosto parecido” seriam os menos hesitantes em admitir que seguem uma tendência, uma Moda. Mas como convencer médicos, dentistas e até padres e monges da mesma coisa? Interessante, nesse ponto, é notar a simbologia das cores de acordo com a cultura e a visão de mundo dos povos. Em muitos países do oriente, por exemplo, a cor preta representa paz, enquanto o branco o luto. Será que se esses conceitos fossem dominantes em nossa sociedade, então médicos e enfermeiros, ao invés do branco, passariam a usar o preto como uniforme de trabalho? E a questão dos religiosos? A roupa que um padre usa hoje é a mesma de outrora? Por que o símbolo máximo da Igreja Católica, o papa Bento XVI, se veste com sapatos Prada? Seria ele um fútil?
As indagações levantadas acima, muito mais do que gerar polêmica, tem como objetivo mostrar que muitas pessoas e muitos grupos que condenam a Moda, chamando-a de fútil, na verdade, utilizam-se dela como aspecto fulcral para representarem seus ideais. E, sob esse prisma, como poderiam dizer que a Moda é fútil se eles mesmos fazem uso dela, ainda que sem saber disso?

O grande problema e a questão aqui levantada é que o terceiro nível da Moda (que engloba também os dois primeiros) não é percebido pela maioria das pessoas, muitas vezes nem pelos estilistas e muito menos pelos fashionistas ou pessoas do cotidiano. Dessa forma, o assunto fica relegado a um status de exibicionismo, de futilidade, e, de modo mais fatídico, ao capitalismo e ao lucro. Já o seu caráter de contestação social, de arte e manifestação cultural, de exposição de uma visão de mundo seja ela subversiva ou não – o que é a parte mais importante da Moda - não é identificado pela grande parte das pessoas. Daí então tudo fica muito bizarro: estilistas mostrando na passarela roupas consideradas esquisitas com modelos usando cortes de cabelo mais esquisito ainda. Pessoas pagando 600 reais em uma calça para ratificarem o seu status social dentro de um grupo. Pessoas “trendy”, que não sabem nem o que estão usando. Tudo muito bizarro, muito bizarro para os que vêem de fora. Fútil? Depende do nível.

4 comentários:

  1. Bernardo,parabéns pelo Blog.......Espetacular....Os assuntos abordados e comentados são elucidativos e enriquecedor.....Continue assim.....Nós leitores ganhamos e muito com a criação deste blog....Felicidades.....Zélia Seabra

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  2. Nossa Bernardo...muito interessante sua reflexão sobre moda...E não é que é verdade?as pessoas normalmente seguem um ''padrão''ou''moda'' sem se darem conta disso...O problema são as pessoas que não sabem o que vestem e fazem isso apenas para ''estar igual aos outros'' ou ''estar na moda'' o que leva a situações bizarras como as descritas por vocÊ!
    Ps:Você estuda Filosofia certo?reconheci o estilo.
    Pss:meu blog:http://malurock2009.blogspot.com
    Apesar do titulo esdruxúlo é bem interessante...

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  3. Olá Bernardo!

    Achei seu blog por acaso, navegando pela internet! E achei super interessante a sua maneira de postar as idéias.
    Esse tópico é bem bacana por mostrar as diversas facetas acerca de um movimento que ultimamente tem ganhado cada vez mais lugar nas conversas e pautas das notícias. A televisão é um dos veículos que tem difundido bem a moda, através de seus inúmeros programas (muitos deles absolutamente inúteis), novelas, jornais com matérias e curiosidades. A internet também é um veículo mais que importante de divulgação dos diversos segmentos não só da moda como também em outras áreas.
    Eu, confesso que tenho me aproximado e me interessado pelo assunto cada vez mais e agradeço a existência da internet, pois se não fosse ela, talvez demorasse muito pra que eu descobrisse uma série de coisas que vem acontecendo, em termos de tendências e outras novidades que cercam esse mundo "fashion".

    Pra mim, Moda nesse termo propriamente dito é um movimento embalado por tendências, gerado por grandes e importantes marcas que vem liderando no mercado. Movimentam milhões em dinheiro e baseiam-se na sustentação do consumo desenfreado - se não fosse assim, não teríamos por ano tantos desfiles apresentando cada um novas coleções e ditando regras...
    Hoje é amarelo... amanhã nem pensar, roxo é a cor! risos

    Eu me interesso por moda porque acabei escolhendo esse veio pra me jogar no mundo e trabalhar. Aliás, não sei bem ao certo até onde posso estar envolvida na coisa, mas talvez eu tenha nascido pra tal... Desde pequena eu institivamente faço moda rsrs!
    Desenhava igual uma louca, vestidos e outras peças, e prestava consultoria às pessoas, com meus 8, 9 anos de idade (imagine só!)
    Passado o tempo, me afastei do ofício, pela própria dificuldade que havia em ter acesso às informações. Não haviam escolas que tratassem do assunto, e Moda aqui na minha cidade (Salvador/BA) é algo ainda novo, provinciano, regrado...

    Tem aparecido mais cursos em faculdades, ainda tudo muito caro, até pra mim mesma, que não consegui ainda furar esse bloqueio financeiro.

    Então decidi usar o que eu tenho desde que nasci - meu talento - pra morder um pedacinho do bolo gostoso que a Moda representa.

    E por mais que muitos digam que não, Moda é luxo sim. E nós que trabalhamos diretamente com esse segmento, sabemos que lidamos com sentimentos que vão além das necessidades do homem (vestir roupa para cobrir as genitálias).
    O mercado da Moda atinge propositalmente aos desejos. Desejos de ser, alcançar um ideal. Ideal esse, provocado pelo marketing dos editoriais em revistas, do visual das atrizes, das grandes modelos... a magreza sonhada, os cabelos da Gisele, os olhos de fulana, o anel de cicrana, o sapato e a bolsa de beltrana...

    Enfim, quem não quer né?

    É uma discussão profunda, acho que ultrapassa a idéia de necessidade, ou de segmentar grupos sociais (a depender de onde), temos hoje uma nova vertente do ramo, com objetivos cada vez mais capitalistas, com metas a cumprir, sonhos pra vender, e uma economia gigantesca pra manter!

    Eu adoro moda, e me alimento dela... pelo menos, sonho! Não uso Dior, nem Prada como gostaria, mas tenho consciência do quanto cresceu esse ideal em milhares de pessoas comuns como eu e que acompanham o rumo das novidades desse segmento.

    Parabéns pelo Blog e espero vc lá no meu!
    A propósito, vou deixar lá o link para o seu tá?

    Abraços!
    Gica Rodrigues

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  4. Foi interessante achar esse texto aqui ja que sou do grupo dos que nao gostam de moda. Nao sei nomes de marcas e nao me interessa saber. mas ultimamente ando questionando o que visto, afinal tudo que fazemos deveria ter um motivo? Entao qual motivo de me vestir de maneira tal? E nao seria moda apenas uma outra maneira de tentar atrair parceiros melhores? rsss E me fez querer saber sobre o xadrez, pq virou moda agora? Era antes brega?

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