terça-feira, 9 de novembro de 2010

Programa de Transferência de Renda: Bolsa Família e Food Stamps

Assistencialistas, Políticos, Necessários?



1- Os programas

Cerca de 11 milhões de famílias, em média 35 milhões de brasileiros, são beneficiados pelo programa Bolsa Família, um dos maiores programas de transferência de renda da atualidade, encontrando talvez apenas o americano Supplemental Nutrition Assistance Program (SNAP) como concorrente ao título. O “Food Stamps”, como é popularmente conhecido nos EUA, abrange em torno de 40 milhões de famílias.

O projeto do Bolsa Família nasceu da integração de alguns programas já existentes no governo FHC: bolsa-escola, bolsa gás e outros. Todos esses auxílios foram incorporados e melhor estruturados pelo projeto do Bolsa Família, que veio para substituir um outro projeto, o Fome Zero. Em um primeiro instante, de caráter assistencialista e emergencial, o programa visa a tirar as famílias consideradas extremamente pobres (menos de 70 reais per capita por mês) e pobres (até 140 reais per capita por mês) da situação de penúria, proporcionando condições mínimas para a sobrevivência. Mais importante, contudo, é a necessidade de os beneficiados preencherem alguns pré-requisitos: os filhos estarem regularmente matriculados na escola e com a carteira de vacinação em dia. A transferência de renda do programa varia conforme a renda per capita da família e o número de filhos, sendo o mínimo de 22 e o máximo de 200 reais de auxílio.

O “Food Stamps” americano segue um padrão bem parecido com o brasileiro. A criação do programa data de 1939 e é creditada ao Ministro da Agricultura da época Henry Wallace. O administrador do auxílio era Milo Perkins. Na época o programa funcionava da seguinte forma: os selos laranja indicavam que a pessoa poderia comprar os produtos a custo de produção. A cada um dólar que era gasto no selo laranja, 0,50 centavos de dólares de beneficio eram dados aos beneficiados. Com o selo laranja podia-se comprar qualquer comida, o selo azul permitia apenas uma lista prévia elaborada pelo governo. Dessa forma, o “Food Stamps”, tornou-se um dos primeiros programas de auxílio de transferência do mundo. Ao longo dos anos, o programa passou por várias reformas. Atualmente, existem várias concessões: imigrantes ilegais, por exemplo, não tem direito ao auxílio. Em termos monetários, o Food Stamps americano estabelece uma linha mínima de pobreza, proporcionando benefícios, em média, de 133 dólares por pessoa.

Dados:

Bolsa Família:

Abrangência: Cerca de 35 milhões de pessoas.
Benefícios: De 22 a 200 reais.
Gastos do governo com o programa: 13,4 bilhões de reais (projetado para 2011)

Food Stamps:

Abrangência: Cerca de 40 milhões de pessoas.
Benefícios: Média de 133 dólares por pessoa, chegando até a 650 dólares para uma família dependendo das condições
Gastos do governo com o programa: 56 bilhões de dólares (dados de 2006)


2- Reflexões sobre os programas



O que se pode perceber de antemão é o maior gasto e maiores benefícios do programa americano em relação ao brasileiro. Isso, contudo, não significa maior eficácia do primeiro sobre o segundo. Há de se ressaltar o custo de vida americano e o padrão do que é ser pobre no país, um limite bem superior ao brasileiro. Segundo a maioria das classificações, pobre nos EUA são famílias de quatro pessoas com renda anual inferior a 22 mil dólares, cerca de 37.500 reais por ano, ou 3125 reais por mês, sem contar o 13º salário. No Brasil, a linha de pobreza é de 255 reais per capita por mês, ou 1.020 reais para quatro pessoas e 12.240 reais por ano. Dessa forma, percebemos, na média, que a linha de pobreza americana é até três vezes superior à brasileira. Cabe enfatizar, mais uma vez, o fato de o custo de vida nos EUA ser mais alto, portanto haver a necessidade do PPC (poder de paridade de compra).

Em relação às críticas os dois programas se assemelham: ambos são tidos como “instigantes à vagabundagem” ou assistencialistas. No caso americano, no entanto, o Food Stamps parece ter um peso político muito menor que o Bolsa Família brasileiro. Nos debates presidentes, por exemplo, quase não se fala do Food Stamps e ele é pouco usado como manobra eleitoral, talvez porque ele seja muito mais antigo em comparação ao auxílio brasileiro e, portanto, já enraizado como parte do cotidiano do cidadão americano de baixa renda. O Bolsa Família, todavia, é bem recente (2003) e é usado fortemente na esfera política, tanto de maneira positiva, quando de maneira negativa. Os contrários ao programa falam que, além de assistencialista, o auxílio é usado politicamente, tanto para divulgar as melhorias que o governo está fazendo, quanto para ganhar suporte eleitoral dos privilegiados pelo programa. Alguns vão além e dizem que o programa se tornou o “voto de cabresto” moderno.

Esse racha gerou calorosos debates entre os brasileiros. Os contrários diziam que o governo só faria o sucessor devido ao programa, enquanto os defensores diziam que ele era necessário para prover as famílias do mínimo necessário. Houve uma grande divisão entre regiões mais pobres e, consequentemente, onde há um maior número de beneficiados, e as regiões mais ricas onde há menos contemplados . Muitos argumentos usados pelos detratores se demonstraram falaciosos: mesmo sem o Norte e o Nordeste a candidata da situação teria vencido.

Além disso, parece existir um esquecimento por parte dos críticos de que, como já mostrado, os programas de transferência de renda existem em vários outros lugares (África do Sul, México, Chile e a cidade de Nova York, com o Opportunity NYC) demonstraram interesse em se inspirar no Bolsa Família. Outros países, como o próprio EUA, Canadá, Noruega, Suécia, França,etc, já adotam auxílios monetários há décadas. E mais: com auxílios até maiores e, em um primeiro instante, com um caráter assistencialista até maior. É preciso lembrar que para se receber o Bolsa Família as crianças devem estar matriculadas nas escolas. Sendo assim, não se pode falar tão somente em um programa assistencialista, mas também em um programa que visa à melhoria dos níveis de educação básicos do país, pelo menos no aspecto quantitativo, já que no qualitativo realmente o programa em nada contribui.

Talvez, uma das alternativas para “despolitizar” o Bolsa Família seria colocá-lo na Constituição Brasileira, pois dessa forma se tornaria uma lei e o programa não poderia acabar, caso outro governo assumisse a presidência. O auxílio de um salário mínimo às pessoas com mais de 65 anos que não tem renda não é usado de forma política, justamente por já fazer parte da Constituição. Dessa forma, não adianta alguém falar que o programa será usado de “forma política”, pois se é lei, para ser mudado, precisaria de aval do Congresso e isso geraria um menor temor dos possíveis eleitores que votam a favor do governo com medo de a oposição acabar com o auxílio, caso vença.

Ademais, argumentar que o programa gera uma “acomodação” por parte dos beneficiados parece um tanto frágil. Primeiramente porque se não houver nenhum tipo de ajuda como essas pessoas poderão, ao menos colocar os filhos na escola? Não estamos falando de pessoas de classe baixa, mas de pessoas de classe baixíssima, que muitas vezes não tem dinheiro para o transporte. Sem ajuda, menos dinheiro, com menos dinheiro mais limitação ainda para essas pessoas. É fácil, em teoria, dizer que todos podem estudar e vencer na vida, mas, como o velho clichê já dizia e é importante enfatizar: como uma pessoa preocupar-se-á com o estudo se não tem o mínimo das necessidades básicas atendidas? E como dizer que a educação é a solução de tudo se o povo tem fome? Ninguém vai esperar onze anos para terminar o Ensino Médio e poder comer decentemente. A comida é diária. A necessidade de nutrição e de dignidade também. Por isso, muito mais do que acabar com o programa ou chamá-lo de assistencialista, ele deveria ser ampliado, englobando uma parcela maior da população.

domingo, 7 de novembro de 2010

Não percam! Amanhã matéria nova no Blog sobre o programa de transferência de renda Food Stamps americano, e outros no mundo, em comparação com o Bolsa-Família. Amanhã a matéria estará disponível aqui!

Além disso, estamos preparando novidades para o blog com a participação de novos colaboradores. Muitas novidades estão por vir!

Não deixem de acessar a enquete e participar do blog. Nós queremos ouvi-lo e nós queremos fazer um blog ainda melhor para vocês!

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

O que o Brasil melhorou e o que o Brasil ainda precisa melhorar?

É interessante notar os avanços do Brasil, que vem, de acordo com a ONU, apresentando uma melhoria consistente e sustentável nos avanços sociais. Esses avanços, embora haja muita contestação (e eles estão aí para ser contestados mesmo), caminham, não de maneira uníssona, mas considerável. O salário mínimo, por exemplo, atualmente de 510 reais, representa um ganho real de mais de 50% em relação ao salário mínimo de 2002.

Não podemos descartar, contudo - e esse deve ser a prioridade do governo e de todos nós - a enorme desigualdade social, regional e de gênero que existe no Brasil. O relatório da ONU deixou isso bem claro, mas penso que, mais do que qualquer relatório, essa constatação é empírica.

Caso as diferenças de renda fossem consideradas no IDH, esse indicador cairia nada mais, nada menos que 37%. Isso significa que, apesar das melhorias recentes, ainda há muito o que fazer para a renda do Brasil se tornar melhor distribuída. Muitos questionam programas sociais de transferência de renda, sendo o Bolsa-Família o mais criticado. A maior parte argumenta que é um programa assistencialista, deixando, dessa forma, as pessoas dependentes dele, tanto economicamente quanto politicamente. Acabam por esquecer, todavia, que muitos países desenvolvidos também adotam programas semelhantes. Inclusive isso será assunto para uma matéria especial que será publicada aqui no Blog. Falaremos sobre um dos principais programas de transferência americano, o "Food Stamps"

Outra categoria que separa o Brasil é a educação. E, nesse aspecto, não temos muito do que se orgulhar. Embora haja bons programas do governo, como o ProUni, a educação pública fundamental ainda carece de investimentos, incentivo e qualificação de professores. A polêmica taxa, já mencionada aqui, sobre a "expectativa de anos de estudo" caiu de 14,5 para 13,8. A taxa de alfabetização é outro fator que estagnou na casa dos 90% há pelo menos três anos.

Por fim, temos a diferença de gêneros que ainda incomoda. Embora tenham, em média, mais anos de estudo que os homens, as mulheres ganham em torno de 30% a menos. Na política, a primeira presidente eleita é uma exceção e não a regra. Apenas 9% dos políticos brasileiros são do sexo feminino. Na Argentina, esse número salta para 30%.

Com esse post, encerramos as consideramos sobre o IDH 2010. A próxima matéria especial, como já mencionado, será sobre os programas de transferência de renda no mundo, com enfoque no "Food Stamps" americano.

Aguardem!

Como era e como ficou o novo IDH na educação?

Como foi prometido, vamos continuar as análises do IDH 2010 divulgado, ontem, pela ONU, comparando-o com a metodologia antiga.

Cabe frisar que os dois principais motivos para a mudança de metologia foram os seguintes: a comemoração de 20 anos da criação do IDH e, principalmente, a necessidade de haver dados mais detalhados e mais abrangentes, à medida que os países desenvolvidos estavam se aproximando do IDH máximo, que é de 1.

No aspecto antigo, no nível da educação, era medida a taxa de alfabetização de um país e acrescida a taxa bruta de matrículas na educação (ensino médio, fundamental e superior). Com a mudança de metodologia, além dos fatores citados, temos ainda a inclusão de mais três: se o aluno está cursando a série que é esperada para a idade dele, a média de anos de estudo da população e a expectativa média de anos de estudo. Os dois últimos indicadores geraram muita polêmica.

O primeiro, para o Ministério da Educação acaba por punir países que começaram a investir nos últimos 10 anos em educação, principalmente em relação à população adulta. Por quê? Porque um adulto não alfabetizado que conclui o ensino fundamental, por exemplo, não elevaria a média de anos de estudo de uma população, caso essa média fosse superior a 8 anos. Além disso, o reflexo dessas políticas públicas só iriam se refletir em IDHS futuros e não nos dos anos seguintes, dando a impressão de estagnação do país.

Concernente ao segundo aspecto, houve uma reclamação pela falta de objetividade do indicador ao se referir à "expectativa média de anos de estudo." O que o MEC se indaga é como eles chegaram a essa média, quais foram os dados usados pela ONU, uma vez que esse indicador, em específico, carece de uma consistência objetiva, algo não desejável em uma pesquisa que visa a uma maior objetividade e comparação, como no caso o IDH.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Desenvolvimento Humano Muito Alto

1 Noruega 0.938
2 Austrália 0.937
3 Nova Zelândia 0.907
4 Estados Unidos 0.902
5 Irlanda 0.895
6 Liechtenstein 0.891
7 Holanda 0.890
8 Canadá 0.888
9 Suécia 0.885
10 Alemanha 0.885
11 Japão 0.884
12 Coreia do Sul 0.877
13 Suíça 0.874
14 França 0.872
15 Israel 0.872
16 Finlândia 0.871
17 Islândia 0.869
18 Bélgica 0.867
19 Dinamarca 0.866
20 Espanha 0.863
21 Hong Kong, China (RAE) 0.862
22 Grécia 0.855
23 Itália 0.854
24 Luxemburgo 0.852
25 Áustria 0.851
26 Reino Unido 0.849
27 Singapura 0.846
28 República Tcheca 0.841
29 Eslovênia 0.828
30 Andorra 0.824
31 Eslováquia 0.818
32 Emirados Árabes Unidos 0.815
33 Malta 0.815
34 Estônia 0.812
35 Chipre 0.810
36 Hungria 0.805
37 Brunei 0.805
38 Qatar 0.803
39 Bahrein 0.801
40 Portugal 0.795
41 Polônia 0.795
42 Barbados 0.788

Desenvolvimento humano alto

43 Bahamas 0.784
44 Lituânia 0.783
45 Chile 0.783
46 Argentina 0.775
47 Kuait 0.771
48 Letônia 0.769
49 Montenegro 0.769
50 Romênia 0.767
51 Croácia 0.767
52 Uruguai 0.765
53 Líbia 0.755
54 Panamá 0.755
55 Arábia Saudita 0.752
56 México 0.750
57 Malásia 0.744
58 Bulgária 0.743
59 Trinidad e Tobago 0.736
60 Sérvia 0.735
61 Belarus 0.732
62 Costa Rica 0.725
63 Peru 0.723
64 Albânia 0.719
65 Rússia 0.719
66 Cazaquistão 0.714
67 Azerbaijão 0.713
68 Bósnia-Herzegóvina 0.710
69 Ucrânia 0.710
70 Irã 0.702
71 Macedônia 0.701
72 Maurício 0.701
73 Brasil 0.699
74 Geórgia 0.698
75 Venezuela 0.696
76 Armênia 0.695
77 Equador 0.695
78 Belize 0.694
79 Colômbia 0.689
80 Jamaica 0.688
81 Tunísia 0.683
82 Jordânia 0.681
83 Turquia 0.679
84 Argélia 0.677
85 Tonga 0.677

Desenvolvimento humano médio

86 Fiji 0.669
87 Turcomenistão 0.669
88 República Domenicana 0.663
89 China 0.663
90 El Salvador 0.659
91 Sri Lanka 0.658
92 Tailândia 0.654
93 Gabão 0.648
94 Suriname 0.646
95 Bolívia 0.643
96 Paraguai 0.640
97 Filipinas 0.638
98 Botsuana 0.633
99 Moldova 0.623
100 Mongólia 0.622
101 Egito 0.620
102 Uzbequistão 0.617
103 Micronésia 0.614
104 Guiana 0.611
105 Namíbia 0.606
106 Honduras 0.604
107 Maldivas 0.602
108 Indonésia 0.600
109 Quirguistão 0.598
110 África do Sul 0.597
111 Síria 0.589
112 Tadjiquistão 0.580
113 Vietnã 0.572
114 Marrocos 0.567
115 Nicarágua 0.565
116 Guatemala 0.560
117 Guiné Equatorial 0.538
118 Cabo Verde 0.534
119 Índia 0.519
120 Timor-Leste 0.502
121 Suazilândia 0.498
122 Laos 0.497
123 Ilhas Salomão 0.494
124 Camboja 0.494
125 Paquistão 0.490
126 Congo 0.489
127 São Tomé e Príncipe 0.488

Desenvolvimento humano baixo

128 Quênia 0.470
129 Bangladesh 0.469
130 Gana 0.467
131 Camarões 0.460
132 Mianmar 0.451
133 Iêmen 0.439
134 Benin 0.435
135 Madagáscar 0.435
136 Mauritânia 0.433
137 Papua-Nova Guiné 0.431
138 Nepal 0.428
139 Togo 0.428
140 Ilhas Comores 0.428
141 Lesoto 0.427
142 Nigéria 0.423
143 Uganda 0.422
144 Senegal 0.411
145 Haiti 0.404
146 Angola 0.403
147 Djibuti 0.402
148 Tanzânia 0.398
149 Costa do Marfim 0.397
150 Zâmbia 0.395
151 Gâmbia 0.390
152 Ruanda 0.385
153 Maláui 0.385
154 Sudão 0.379
155 Afeganistão 0.349
156 Guiné 0.340
157 Etiópia 0.328
158 Serra Leoa 0.317
159 República Centro-Africana 0.315
160 Mali 0.309
161 Burkina Fasso 0.305
162 Libéria 0.300
163 Chade 0.295
164 Guiné-Bissau 0.289
165 Moçambique 0.284
166 Burundi 0.282
167 Níger 0.261
168 República Democrática do Congo 0.239
169 Zimbábue 0.140

Fonte: Revista Veja

E como era em 2009?

1. Noruega - 0,971

2. Austrália - 0,970

3. Islândia - 0,969

4. Canadá - 0,966

5. Irlanda - 0,965

6. Holanda - 0,964

7. Suécia - 0,963

8. França - 0,961

9. Suíça - 0,960

10. Japão - 0,960

11. Luxemburgo - 0,960

12. Finlândia - 0,959

13. EUA - 0,956

14. Áustria - 0,955

15. Espanha - 0,955

16. Dinamarca - 0,955

17. Bélgica - 0,953

18. Itália - 0,951

19. Liechtenstein - 0,951

20. Nova Zelândia - 0,950

21. Reino Unido - 0,947

22. Alemanha - 0,947

23. Cingapura - 0,944

24. Hong Kong, China (RAE) 0,944

25. Grécia - 0,942

26. República da Coreia - 0,937

27. Israel - 0,935

28. Andorra - 0,934

29. Eslovênia - 0,929

30. Brunei - 0,920

31. Kuwait - 0,916

32. Chipre - 0,914

33. Qatar - 0,910

34. Portugal - 0,909

35. Emirados Árabes Unidos - 0,903

36. República Tcheca - 0,903

37. Barbados - 0,903

38. Malta - 0,902

. Países classificados com IDH Elevado

39 Bahrein 0,895 -1

40 Estônia 0,883

41 Polônia 0,880

42 Eslováquia 0,880

43 Hungria 0,879 -2

44 Chile 0,878 -1

45 Croácia 0,871

46 Lituânia 0,870

47 Antígua e Barbuda 0,868

48 Letônia 0,866

49 Argentina 0,866 -2

50 Uruguai 0,865 -1

51 Cuba 0,863

52 Bahamas 0,856

53 México 0,854

54 Costa Rica 0,854 -1

55 Líbia 0,847

56 Omã 0,846 -1

57 Seychelles 0,845

58 Venezuela 0,844

59 Arábia Saudita 0,843 -1

60 Panamá 0,840

61 Bulgária 0,840 -2

62 São Cristóvão e Nevis 0,838 -2

63 Romênia 0,837

64 Trindade e Tobago 0,837 -1

65 Montenegro 0,834

66 Malásia 0,829

67 Sérvia 0,826

68 Belarus 0,826

69 Santa Lúcia 0,821 -1

70 Albânia 0,818

71 Federação Russa 0,817

72 Macedônia 0,814

73 Dominica 0,814 -2

74 Granada 0,813

75 Brasil 0,813

76 Bósnia-Herzegóvina 0,812

77 Colômbia 0,807

78 Peru 0,806 -1

79 Turquia 0,806 -1

80 Equador 0,806 -3

81 Maurício 0,804 -2

82 Cazaquistão 0,804 -1

83 Líbano 0,803 -3



Países classificados com IDH Médio

84 Armênia 0,798

85 Ucrânia 0,796 -1

86 Azerbaijão 0,787

87 Tailândia 0,783

88 Irã, República Islâmica do 0,782 -1

89 Geórgia 0,778

90 República Dominicana 0,777 -1

91 São Vicente e Granadinas 0,772

92 China 0,772

93 Belize 0,772 -3

94 Samoa 0,771

95 Maldivas 0,771

96 Jordânia 0,770 -1

97 Suriname 0,769

98 Tunísia 0,769

99 Tonga 0,768 -3

100 Jamaica 0,766 -8

101 Paraguai 0,761

102 Sri Lanka 0,759

103 Gabão 0,755

104 Argélia 0,754

105 Filipinas 0,751

106 El Salvador 0,747

107 Síria 0,742

108 Fiji 0,741 -1

109 Turcomenistão 0,739 -1

110 Territórios Ocupados da Palestina 0,737

111 Indonésia 0,734

112 Honduras 0,732

113 Bolívia 0,729

114 Guiana 0,729

115 Mongólia 0,727

116 Vietnã 0,725 -1

117 Moldávia 0,720

118 Guiné Equatorial 0,719

119 Uzbequistão 0,710

120 Quirguistão 0,710

121 Cabo Verde 0,708

122 Guatemala 0,704

123 Egito 0,703 -1

124 Nicarágua 0,699

125 Botsuana 0,694

126 Vanuatu 0,693 -1

127 Tadjiquistão 0,688

128 Namíbia 0,686

129 África do Sul 0,683 -1

130 Marrocos 0,654

131 São Tomé e Príncipe 0,651

132 Butão 0,619

133 Laos 0,619 -1

134 Índia 0,612

135 Ihas Salomão 0,610

136 Congo, República do (Brazzaville) 0,601

137 Camboja 0,593

138 Mianmar 0,586

139 Comores 0,576

140 Iêmen 0,575

141 Paquistão 0,572

142 Suazilândia 0,572 -2

143 Angola 0,564

144 Nepal 0,553

145 Madagascar 0,543

146 Bangladesh 0,543

147 Quênia 0,541

148 Papua-Nova Guiné 0,541 -2

149 Haiti 0,532

150 Sudão 0,531

151 Tanzânia 0,530

152 Gana 0,526

153 Camarões 0,523 -1

154 Mauritânia 0,520 -1

155 Djibuti 0,520

156 Lesoto 0,514

157 Uganda 0,514

158 Nigéria 0,511 -1

Países classificados com IDH Baixo

159 Togo 0,499

160 Malauí 0,493

161 Benin 0,492

162 Timor-Leste 0,489

163 Costa do Marfim 0,484

164 Zâmbia 0,481

165 Eritreia 0,472

166 Senegal 0,464

167 Ruanda 0,460

168 Gâmbia 0,456

169 Libéria 0,442

170 Guiné 0,435

171 Etiópia 0,414

172 Moçambique 0,402

173 Guiné-Bissau 0,396

174 Burundi 0,394

175 Chade 0,392

176 República Democrática do Congo 0,389

177 Burkina Fasso 0,389

178 Mali 0,371

179 República Centro-Africana 0,369

180 Serra Leoa 0,365

181 Afeganistão 0,352

182 Níger: 0,340

Fonte: UOL


As mudanças expostas acima serão comentadas amanhã.
Obrigado a todos os seguidores e a todos que comparecem ao Blog Cultura e Diversidade. Amanhã estarei colocando mais reflexões e dados frescos do IDH 2010. O Blog também passará por uma grande reforma no seu design e ficará mais ágil e mais atualizado com muitas matérias de cultura, moda, filosofia, sociolofia, enfim com muitas matérias sobre as nossas culturas e diversidades!

Não deixem de visitar o blog, que agora terá atualizações diárias e uma grande reportagem uma vez por semana!
Nesse primeiro post de análises mais profundas sobre alguns dos indicadores recém-lançados pela ONU, gostaria de focar no IPM (Índice de Pobreza Multidimensional) ou MPI em inglês (Multidimensional Poverty Index).

Esse critério analisa as privações dos cidadãos em três áreas básicas: padrão de vida, educação e saúde.

Em relação ao padrão de vida, temos alguns critérios, tais como acesso à rede de esgoto e água tratadas, eletricidade, quantidade de banheiros entre outros. Para a educação, dois grandes ítens são pesquisados: a quantidade de crianças matriculadas na escola e a média de anos de estudo. Na questão da saúde, temos a taxa de mortalidade infantil e a de crianças subnutridas.

Segundo os critérios adotados pela ONU, um terço das pessoas dos 104 países pesquisados, isto é, 1,75 bilhões de pessoas sofrem com a pobreza multidimensional. Esse número está acima do critério estabelecido pela ONU para pobreza extrema, que é de 1,25 doláres por dia (1,44 bilhões de pessoas vivem com menos disso, mas abaixo dos 2 dólares estabelecido pela ONU como pobreza relativa (2,6 bilhões de pessoas vivem com menos de 2 dólares por dia).

Os maiores índices de pobreza multidimensional são encontrados no Sudeste Asiático e na África Subsaarina. Mas esse percentual não é igual. Enquanto na África do Sul, por exemplo, cerca de 3% das pessoas sofrem com o problema, em Niger esse índice salta para 93%. Importante ressaltar é que nem sempre países com menor renda per capita têm IPM maior que outros de maior renda per capita. Segundo a ONU, isso ocorre porque alguns países têm acesso aos "bens multidimensionais" facilitados ou mais baratos, ainda que a renda dos países não seja tão elevada.

No Brasil, o índice de pobreza multidimensional é relativamente baixo (8,5%), mas bem maior do que no vizinho Uruguai (apenas 2%). O Brasil também perde para Argentina, Chile e México.
Continuando a análise do IDH 2010, que gerou muita polêmica, vejamos alguns dados pela metodologia nova:

IDH 2000 - 0,649 (desenvolimento humano médio, segundo os novos critérios)
IDH 2010 - 0,699 (desenvolvimento humano alto, segundo os novos critérios)

Na comparação com 2009, o Brasil cresceu 0,006 e subiu quatro posições, passando do 77o lugar, para a 73a posição.

O que mais prejudica o Brasil ainda é a grande concentração de renda e as desigualdades de gênero. Pelo IDH ajustado, levando em conta as desigualdades sociais, o Brasil passaria para 88a posição com IDH de 0,509.

Nos próximos posts, vamos explicar mais detalhadamente os novos critérios adotados pela ONU e como eles repercutiram nos novos índices de IDH dos países.

Para os que sabem inglês e querem destrinchar as informações, o link completo do relatório está disponível em pdf:

http://hdr.undp.org/en/media/HDR_2010_EN_Complete.pdf
Pela metodologia antiga, o IDH brasileiro ficaria em 0,819, ante a 0,813 do ano passado. Na metodologia nova, com IDH de 0,699, o Brasil supera a média mundial, que é de 0,624.
Mais algumas informações:

Os 10 primeiros colocados:

1- Noruega 0,938
2- Austrália 0,937
3- Nova Zelândia 0,907
4- Estados Unidos 0,902
5- Irlanda 0,895
6- Liechtestein 0,891
7- Países Baixos 0,890
8- Canadá 0,888
9- Suécia 0,885
10- Alemanha 0,885
OS dados divulgados agora há pouco pela ONU colocam o Brasil na 73a posição, numa lista de 169 países com IDH de 0,699. Cabe ressaltar, no entanto, que o IDH brasileiro não caiu, a metodologia ficou mais exigente e isso para todos os países. Se recalculado, com a nova metodologia, o IDH brasileiro cresceu 0,8% de 2000 para cá e o Brasil melhoria de posição.

Eis alguns dados do IDH 2010:

IDH: 0,699 (alto desenvolvimento humano)
Rendimento anual per capita U$10.607
Expectativa de vida: 72,9 anos
Escolaridade: 7,2 anos de estudo
Expectativa de vida escolar - 13,8 anos de estudo

Índice de Pobreza Multidimensional: 8,5%

O IDH 2010 comerora 20 anos e, em comemoração, e para aperfeiçoamento, vários novos indicadores foram incorporados. A metodologia se tornou mais rígida e mais detalhada. Com desvios negativos, por exemplo, por desigualdade de gênero, renda, etc. Além disso, a educação ganhou novos indicadores. Além da taxa de alfabetização e de taxa bruta de matrícula, agora é preciso estar na série correta, por exemplo.

A nova metodologia tornou o IDH muito mais complexo, porém muito mais depurado. Amanhã, falaremos mais sobre as peculiaridades do IDH 2010 divulgado hoje pela ONU.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Olá, amigos e visitantes do Blog! É com muita ansiedade que aguardamos a divulgação do próximo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 2010 (com dados de 2008) a serem divulgados amanhã pelas Nações Unidas. Assim que tivermos os dados disponiveis, colocaremos aqui para vocês e faremos análises e comparações em relação ao último relatório divulgado (2009 com dados de 2007).

Além disso, uma nova e mais abrangente maneira de se determinar as condições de vida e de pobreza em um país será divulgada em substituição ao IPH (Índice de Pobreza Humana). O novo indicador, Multidimensional Poverty Index (MPI), que, em português, deve se chamar de Índice de Pobreza Multidimensional (IPM), avaliará diversos ítens, tais como saneamento básico, água potável, eletricidade, nutrição, etc. Fará parte da lista aqueles que tenham privação de pelo menos 30% dos ítens levantados. Segundo um relatório bem resumido e já disponível, o Brasil tem 12% de pessoas consideradas pobres, sendo que a maioria - 8,5% - está no patamar dos 30%, ou seja, no limite superior entre a pobreza e a não pobreza.

http://hdr.undp.org/en/statistics/mpi/ (link disponível dissertando acerca do MPI)
http://www.ophi.org.uk/wp-content/uploads/Brazil.pdf (link específico do Brasil)

Aguardemos agora a divulgação do IDH 2010.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Olá, amigos do Blog!

Sei que preciso atualizá-lo mais e agora farei isso com mais frequência para que sempre que vcs passem por aí tenha alguma novidade!

terça-feira, 5 de outubro de 2010

O Engodo Capitalista





O capitalismo, para esclarecimento, baseia-se num sistema econômico em que a maior parte do capital é privada, isto é, encontra-se na mão de pessoas e não do Estado. O mercado deve ser gerido “livremente” e “espontaneamente”, sem que haja a interferência do Estado (no caso do neoliberalismo máximo) ou com pouca interferência do Estado (no liberalismo). Existe ainda uma corrente denominada anarco-capitalista, que acredita não haver necessidade de um Estado (nem para garantir os direitos básicos de um cidadão), pois a Economia se autorregularia.

A característica marcante para se obter o capital em um sistema capitalista é a obtenção do lucro. O lucro, por sua vez, pressupõe o aumento e a acumulação do capital. Como isso ocorre? De várias maneiras. Quando se compra um apartamento, por exemplo, não para morar, mas para investir. Provavelmente a pessoa que comprou fez um estudo daquela área e viu que ela tende à valorização. Dessa forma, caso paguemos 130 mil num apartamento, ao final, podemos vendê-lo por 260 mil, sendo que a inflação real desde a compra, até a venda foi de 10%. Caso não tivesse havido nenhuma valorização, então o apartamento valeria 143 mil reais e não existiria acúmulo de capital. Porém, como o imóvel passou a valer 260 mil, então ocorreu uma valorização real de 55%, portanto o lucro gerado foi de 55%. Outro exemplo ocorre com as lojas, sejam as mais diversas. O custo final de um produto decorre da matéria prima + mão de obra + despesas + lucro. Mas o lucro é legítimo, o lucro é ético?
Para respondermos a essa questão, devemos pensar nos preceitos de uma vida social. Pode coexistir cooperação e disputa ao mesmo tempo? Se sim, como? Pode um cidadão lucrar, isto é, ter vantagem sobre o outro (pois no lucro há sempre o que ganha, mas, em contrapartida, há sempre o que perde)? Ainda que consideremos o lucro legítimo alicerçado por um argumento meritocrático, como, caso todos resolvessem lucrar, uma sociedade capitalista funcionaria? Em outras palavras, se todos fossem donos do capital, qual/quem seria a força de trabalho, o proletariado? Como se daria a relação entre empregador e empregado se essa passaria a não existir? A partir dessas indagações fica óbvio que em um sistema capitalista, sempre haverá os que perdem e os que ganham, pois ele próprio se destruiria caso houvesse uma equiparação de capitais. E, nessa perspectiva, como poderia funcionar um sistema em que todos resolvessem estudar, instruir-se e ocupar cargos considerados altos ou ainda caso todos resolvessem ser empreendedores? O sistema simplesmente ruiria, pois as dicotomias entre capital x empregado entre o que lucra x o que perde estariam acabadas.

Decorre do problema gerado acima uma outra premissa falsa do capitalismo: a ideia de mobilidade social. Falsa, pois o capitalismo prega que todos podem construir uma vida melhor caso batalhem para isso (em oposição ao sistema feudal, por exemplo, em que a mobilidade social é praticamente nula). O que os defensores do sistema capitalista se esquecem de dizer é que a mobilidade social, embora ocorra de fato, é limitadíssima e o próprio sistema a limita. Não há espaço para grandes mobilidades sociais e se essas acontecem há prejuízo de outros grupos sociais. Peguemos o exemplo brasileiro atual que é a ascensão da classe C, ou seja, a subida na pirâmide social de uma camada da população que outrora era considera pobre e agora passa a integrar a classe média baixa. Pode ser que, em um contexto nacional, nenhuma pessoa esteja perdendo e, por isso, encontramos dificuldades em perceber isso. Mas em um panorama global será que não houve perda? Para ilustrar melhor a situação, ainda que praticamente todos os países do globo tenham melhorado de situação, caso os seus dados sejam comparados aos de 1970, a diferença entre os países ricos e pobres aumentou. O PIB per capita dos países ricos cresceu mais que o dobro de 1970 até hoje em comparação com os países pobres, ou seja, apesar de ter havido uma melhoria geral, a DIFERENÇA, que é o cerne capitalista não se alterou. Voltemos agora ao Brasil. Apesar de os indicadores sociais terem aumentado para todos, a concentração de renda medida pelo índice GINI permaneceu praticamente inalterada. Na verdade, o GINI brasileiro de 1960 era mais baixo, ou seja, o Brasil era mais igual que o GINI dos anos 90. Durante a época da ditadura, apesar de ter ocorrido o “milagre econômico” e o Brasil ter crescido, em média 7% ao ano, a concentração de renda e o GINI brasileiro só aumentaram. Após anos de aumento, finalmente, com a implantação do Plano Real e, posteriormente com o governo Lula, o GINI começou a cair de maneira discreta. Ainda assim, a queda é praticamente irrisória. Se não houve grande diferença na concentração de renda no Brasil, podemos falar de fato em uma igualdade social ou apenas na melhoria geral dos brasileiros em que a diferença entre ricos e pobres permaneceu praticamente inalterada?

Mais uma vez fica claro que a diferença entre classes sociais, a ideia falsa de ascensão social para todos e o estreitamento das diferenças são prerrogativas inatingíveis pelo capitalismo. Por conseguinte, como podemos viver de maneira social pensando de maneira individual? Parece-me muito contraditório ao ponto de o status quo ser bem temeroso em relação a isso, moldando-nos, como já dizia Althusser, através de aparelhos ideológicos de estado (AIE) e os aparelhos coercitivos de estado (ACE). Claro que essa moldura é sutil e difícil de ser percebida, pois uma vez que já nasçamos com a ideologia capitalista, tendemos a interiorizar essas ideias como sendo naturais e achando absurdas e utópicas outras concepções político-filosóficas de meios de produção. Mais absurdo ainda é quando pegamos exemplos mal sucedidos de implantação de outros sistemas ao redor do mundo. Mas será que esses sistemas funcionaram conforme os seus precursores pensavam e mais será que a implantação desses sistemas e as suas possíveis falhas não foram bem engendradas pelos próprios capitalistas a fim de minar qualquer possibilidade de que outros países adotassem DE FATO outras ideologias?

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

O Paradoxo da Classe C: Onde ela está?



O Paradoxo da Classe C: Onde ela está?

Desde 2008, com a divulgação de dados da Fundação Getúlio Vargas (FGV), IBGE e IPEA (Instituto de Pesquisas Econômica e Aplicada), uma nova classe, até então pouco relevante, surgiu como o pilar da economia brasileira, tornando-se a grande vedete do comércio, da consolidação da classe média e da diminuição da pobreza no Brasil. É a classe C, a nova classe média. Mas o que é a classe C? Ela é de fato classe média?

Existem algumas discordâncias para estabelecer exatamente quem pertence à classe C. Para a FGV, famílias que ganhem entre 1.115 a 4807 reais pertencem a essa camada, ou seja, a camada média na pirâmide social brasileira. Um grande problema já decorre exatamente desse intervalo tão longo de mais de quatro vezes entre os limites inferior e superior. Outro problema é a não-análise da renda per capita dessas famílias. É muito difícil acreditar que uma pessoa que viva sozinha e ganhe 4.800 reais pertença à mesma classe social de uma família com cinco pessoas com rendimentos de 1.200 reais. Não seria o critério da renda per capita mais interessante e real?

Já para o IBGE, a classificação mais usual é a de que a Classe C se situe entre famílias com rendimento entre 3 a 10 salários mínimos. Mais uma vez, uma metodologia pouco esclarecedora e equivocada. Três salários mínimos são 1530 reais, 10 salários mínimos são 5100 reais. O triplo de diferença. Além disso, mais uma vez, é irreal pensar que uma família de cinco pessoas que tenha renda mensal de 1600 reais pertença à mesma classe de uma composta por um casal, por exemplo, com ganhos de cinco mil reais.

Dessa forma, podemos concluir, a priori, uma conceituação muito confusa do que seja a nova classe média brasileira. Claro que, quando se fala em classes sociais, há os intervalos máximos e mínimos, mas esses intervalos devem estabelecer as necessidades mínimas que caracterizem certa classe social, o que não ocorre com nenhum dos dois critérios;

Em primeiro lugar, devemos pensar o que é a classe média? Para o senso comum e para os principais institutos de pesquisa, classe média é a faixa da população que se situa entre a elite e a pobreza, por isso média. Para isso, contudo, os indivíduos desse segmento social devem apresentar algumas semelhanças: ter dinheiro para prover a alimentação de todos do lar, casa, vestuário, transporte, lazer. É justamente esses fatores, dentre outros, que separam a classe média da pobreza.

Em segundo lugar, há a necessidade de se pensar no custo de vida médio do país e talvez até por regiões, quando são estabelecidos os intervalos de classificação. Nesse contexto, que entra uma grande contradição entre os diferentes institutos de pesquisa. Para o DIEESE, que analisa o custo de vida nas principais cidades brasileiras, para uma família de quatro pessoas, manter-se minimamente com todos os preceitos mínimos do que seria o limite inferior da classe média, o rendimento deveria se situar na faixa dos 2.000 reais.

Em conseqüência do segundo problema, temos a divergência do que os principais institutos de pesquisa consideram classe média e o custo de vida real para pertencer à classe media. Pelo menos, acharíamos estranho, dentro desse contexto, acreditar que uma família de quatro pesssoas que ganhe menos de 2.000 reais pertença à classe média. Erro maior ainda é colocar dentro da mesma categoria pessoas que vivem com mais de duas vezes o necessário e pessoas que sobrevivem com quase a metade do necessário. O único contra-argumento plausível seria por em xeque a credibilidade do Dieese ao se analisar o mínimo necessário. Para isso, no entanto, precisaríamos de outras fontes que calculassem esse valor e como carecemos delas, até podemos questionar esses valores, mas não usar como referência outros institutos. Se não usarmos esse parâmetro, então utilizaremos qual?

Partindo dessa remuneração mínima, seria interessante agora nos perguntamos qual a parcela da classe C que se situa na faixa dos 1.200 aos 2.000 reais? Segundo o governo, pegando como referência a FGV, mais da metade dos brasileiros fazem parte da classe C. Mas nada mencionam sobre os que fazem parte da classe C cujos rendimentos familiares estejam entre 1.200 a 2.000 reais.

Um outro problema ao se falar da ascensão de pessoas das classes D e E (as categorias mais baixas da pirâmide social) ocorre quando inserimos outros dados na análise. A concentração de renda no Brasil, embora tenha caído, segundo as principais entidades de pesquisas e indicadores, ainda permanece muito alta. Ademais, a queda foi discreta. E mais, o Brasil permanece, segundo a ONU, como um dos países mais desiguais do mundo. Segundo as Nações Unidas, a diferença entre os 10% mais ricos e os 10% mais pobres no Brasil é a quinta maior do mundo, empatando com o Equador e ficando a frente somente de países como Bolívia, Madagáscar, Tailândia, Haiti e Camarões. Ora, se houve real ascensão da camada mais baixa da população para a classe C, como os indicadores de disparidades sociais caíram tão pouco?

Não seria mais interessante pensar que houve um aumento real de salário de uma maneira geral dos brasileiros e não de ascensão social? Por exemplo, com relativa estabilidade financeira, ajudas sociais do governo e maior oferta de crédito, a grande massa da classe D passou a ser considerada classe C. Quem antes tinha rendimento mensal de 800 reais, passou a ter rendimento mensal de 1.200 reais, por exemplo. Mas será que a vida delas de fato melhorou ou esse aumento de salário acompanhou o aumento da inflação? Qual ganho real teve essa pessoa cujo rendimento passou de 800 para 1.200? Além disso, o poder de compra dela de fato aumentou ou ficou facilitado por empréstimos, cartões de crédito e parcelas a perder de vista? É difícil pensar numa ascensão tão brutal das classes mais baixas para a classe C, sendo que a distribuição de renda brasileira não sofreu muita alteração. Como isso se deu então? E se houve uma melhoria no Brasil por que o país despencou dez posições no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) divulgado anualmente pela ONU? É verdade que o IDH brasileiro melhorou, mas menos que a média mundial, o que fez com que o país perdesse algumas posições. Mas se houve grande ascensão social, se a classe média agora é majoritária no país, então algumas dessas pesquisas ou mais de uma está bastante equivocada. Todos os dados, quando comparados, entram em paradoxo e criam conflitos. Onde está a classe C?

sábado, 5 de junho de 2010

Seção Poesia

Escavei-me até me singularizar
E nas obscuridades quase nunca reveladas
É essência!
Capaz multifacetadas não mostrarão
É pseudosocialização
É sensibilidade hipócrita, torta
De tanto afinco em tê-la, quase morta
De tanto desprazer em tê-la
Você, vocês infelizes
Abra o sorriso numa boa ação
Enrubesça de raiva na injustiça
É virtude, é humano, é pluralidade
É atestado de sanidade!
Escava-te não
É corrida na contra mão
É insanidade, desumano, singular
Pluralmente feliz
Singularmente infeliz
Pseudopluramente feliz
Singular em essência?
Alguém já quis?
Escavai-me demais
Isso há um tempo atrás
Singularizei-me pluralmente
Tornei-me essência
Mas fechei
Vieram caminhões com muita terra
Hermeticamente fecharam
O buraco escavado
Singularize-me e voltei
Agora eu, você e vocês
INFELIZES!

quinta-feira, 3 de junho de 2010

No Fashion Rio

- Evy, dá para você me filmar direito! – gritava Estefany agoniada. – Eu tô bonita, migo? A maquiagem tá boa?

Everaldo mal se agüentava atrás das câmeras. Apesar da grande amizade que tinha por Estefany, aquela situação não estava sendo nada favorável a ele. Depois de um cursinho de Moda, que já havia terminado há um ano, Everaldo tentava sem sucesso um emprego no ramo. Mas nunca tinha conseguido uma festa vip, um convite para qualquer desfile. Nada! “Isso tudo porque eu sou pobre, lamentava”. O ego, ou talvez pseudoego do rapaz de 20 anos, no entanto, logo retrucava “Posso ser pobre, mas tenho estilo. Sou puro glam.”

Naquele momento, o aspirante a estilista, estava ali. Atrás do foco, por trás dos bastidores. E a estrela não era ele. Sua amiga, Estefany estava no ápice egocêntrico de um ser humano. Mas o ápice, paradoxalmente, sempre poderia ser mais ápice. De maneira bem pobre e inversamente: o fundo do poço sempre pode ser mais fundo, logo o ápice egocêntrico sempre pode ser mais alto. A disputa ali era boa. Uma espécie de guerra fria. Ambos querendo aparecer mais que o outro. E, apesar da longa amizade, quase fraterna, naquele momento eles eram rivais: a briga para aparecer na frente das câmeras e não atrás.

Mergulhado em seus planos e pretensões, Everaldo se esqueceu da amiga. Estava quase em um transe hipnótico vislumbrando o momento em que todos os flashes seriam para ele e, com a cara mais blasé do mundo, metodicamente pré-ensaiada no espelho de casa, o rapaz falaria algo do tipo: “Não ligo para a fama.” Pronto. O personagem seria construído.

- Everaldo Gotardo! – implicava Estefany. – Você não percebeu que eu já acabei de falar? Vai ficar aí me filmando ainda? – e continuava – Tá pensando em que?

Por um momento, as divagações simplistas daquela mente juvenil haviam feito o rapaz se esquecer daquele vídeo tão importante. Ainda que ele estivesse por trás, aquela filmagem poderia ser um passaporte para ele: os dois estavam concorrendo a uma promoção da FM o dia. O ganhador teria direito a um convite duplo para assistir ao Fashion Rio. E mais: direito ao assento na fila A em um dos desfiles da marca mais famosa do momento. Pronto! Era meio caminho para o luxo! E nesse barco, o ego dos dois era complementar. Era quase altruísta. Porque um dependia do outro. Logo, Everaldo queria que Estefany saísse linda, que a maquiagem estivesse ótima e que o vídeo fosse um sucesso.

- Pena que a gente não pode postar no Youtube ainda! – lamentava Estefany. – Eu acho que ficou ótimo! E você, amigo?

- Ficou divino! Achei superdigno! – falava Everaldo ainda meio nauseado daquele transe fugaz rumo ao estrelato.

- Eu tô parecendo alta? Tô magra? Você acha que o que eu falei vai agradar as pessoas? – e não cessavam as perguntas de Estefany.

Everaldo somente acenava que sim com a cabeça. Naquele momento, ele estava em outra. Já fazia planos e pensava na maneira de se comportar quando estivesse na Fila A diante de muitas celebridades. Mas faltava, é claro, ganhar a promoção.

- Vamos para casa agora? – dizia Estefany. – Longo caminho! Ai, não agüento mais morar tão longe. Essa vida de pegar trem não é para mim! Eu sou alta, tenho 1,70, é uma altura boa para mulher, né Evy? – e emendava sem deixar o rapaz responder. – E no mais, com meu salto eu fico com 1.80. Por que será que ainda nenhum caça-talentos me encontrou? Acho que temos que voltar mais aqui ao Leblon, Evy!

Depois de um dia perdido com uma filmagem de menos de cinco minutos no Mirante do Leblon, Estefany e Everaldo iriam se preparar agora para uma longa jornada até São João de Meriti. Geralmente pegavam o metrô até a Pavuna e depois um ônibus. Mas ela ainda queria passar no shopping para comprar roupas. E, por isso, era mais fácil pegar o trem, embora fosse menos glamouroso.

- Se a gente ganhar a promoção, Evy, não vamos falar que moramos em São João de Meriti lá no Fashion Rio não!

- Claro que não, né, amiga! – o pessoal nos olharia completamente torto. – A gente fala que mora no Rio, afinal a Pavuna fica pertinho da nossa casa. – Muito mais status! – Everaldo já havia voltado do transe e falava agora com um certo entusiasmo.

- É, mas morar na Pavuna também não é grandes coisas, né? A gente pode inventar uma historinha, amigo! – e parou um tempo para pensar. – Porque eu não quero ir naquele quadro do Faustão quando eu ficar famosa e ter que ouvir dele: “Estefany, garota pobre que venceu na vida.” Isso soa clichê demais, né? Mesmo porque eu já faço faculdade e você tem o seu cursinho de Moda. – e emendou – Não! Definitivamente não! Vamos falar que moramos em uma casa confortável na Pavuna e que adoramos morar aqui!

Finalmente, houve um longo período de silêncio. O ego de ambos agora estava milimetricamente diminuindo. Parecia ensaio. Pouco a pouco. Bem paulatinamente. Quanto mais longe do Leblon, quanto mais próximo de casa, a vaidade ia se esvaindo. O processo, contudo, começou a se inverter assim que eles pegaram o trem. Principalmente Estefany.

- Evy! – sussurava a garota. – Aquela senhora tá olhando para mim! Você a conhece?

- Acho que não! – e o rapaz analisava melhor aquela senhora de óculos. – Mas é para você ou para mim?

- Claro que é para mim! – Estefany se invocou. – Quantos vídeos você tem no Youtube? Eu tenho mais de 40. E já foram mais de 200 visitas. Aposto que ela me reconheceu!

- Mas eu também tenho vários vídeos no Youtube! E no mais, se não fosse por mim você não teria vídeo nenhum! Eu que comprei a câmera! Não seja esnobe e mal agradecida!

A garota ignorou a última fala do amigo. A senhora se aproximava cada vez mais. E ambos não a reconheciam. Seria uma fã dos dois? A agitação bateu forte. O ego, agora sorrateiramente, inflou. Dos dois. Para quem seria o olhar daquela idosa?

- Estefany! – gritou a senhora. – Quanto tempo! Que saudades em reencontrá-la! – falava empolgada Dona Úrsula.

- Ah.. ah! – quase que em tom de velório Estefany mal conseguia responder. “Que lamento”. – Mas é você Dona Úrsula?

- Ai, querida! – ria a velha, com um sorriso simpático. – Eu pintei meus cabelos e agora estou usando óculos para vista cansada. – E faz tanto tempo que não nos víamos, né! Eu sei que estou quase irreconhecível! – e a empolgação continuava. – Como está a sua mãe? E você? Também está tão mudada! Cresceu, ficou alta... eu mal te reconheci!

- Mal me reconheceu? – disse Estefany em tom fúnebre. – Ah tá! A senhora está bem?

Everaldo se controlava para não soltar uma gargalhada que chamaria a atenção de todo o trem. Era visível a decepção da garota. “Ela pensando que seria reconhecia por causa de alguns vídeos no Youtube.” E controlava para não rir.
Em um rompante de esperança, Estefany tentou lançar a última cartada:

- Mas se estou tão diferente assim, como a senhora me reconheceu? Por acaso você viu algum vídeo meu no Youtube?

-´Como?? – não entendia a senhora!

- No YOU-TUBE! – repetia vagarosamente a garota.

- O que é isso, minha querida? Não tô entendendo!

- Aquele site da internet que hospedava vídeos! – e a esperança estava novamente indo embora.

- Ah minha filha! – pôs-se rir Dona Úrsula. – Eu nem mexo na Internet. Para mim isso é grego. É coisa para jovens, né? – riu sozinha. – Eu reparei bem, e me perdoe, mas o seu quadril largo não muda. Acho lindo. E depois essa pinta aí acima do umbigo é única. – e emendou. – Aliás, com tanto decote, não está com frio, querida?

- Não tô não! – Estefany estava quase mirando a jugular de Dona Úrsula.

***

À noite, antes de dormir, aquele encontro ainda martelava na cabeça de Estefany.

- Você acha que eu tenho o quadril largo, Everaldo?

- Não, não, está ótimo! – e o rapaz segurava para não dar um risinho.

- Mas você acha que eu posso ser modelo com esse corpo?
- Claro, claro! – e se segurava para não rir. Você está ótima. – a hipocrisia reinava.

“Coitado do Everaldo, a beleza não compareceu na sua estética’, pensava Estefany.

- Bem, vamos dormir que amanhã já sai o resultado da promoção! E eu já até comprei as roupas caso eu vença. Estou preparada. Beijos, Evy!

***

Estefanie e Everaldo aguardavam ansiosamente. Eram quatro horas da tarde e a promoção da FM o Dia seria divulgada em breve. Os dois mal se continham. Desejo, esperança, fama, riqueza, sucesso, tudo amalgamado, embaralhado, mixado, no final, tudo se resumia ao ego mesmo. Os dois já faziam planos para o Fashion Rio. O único medo de Everaldo era a roupa. Naquele mês não havia sobrado nenhuma grana para comprar roupa. E justamente quando ele mais precisava. Não dava para parcelas nem na C&A. Mas ele também não queria. Preferia ir com a camisa da Osklen já um pouco surrada. Mas era Osklen, né? O glamour máximo daquela mente regional.
O locutor fazia suspense. A hora se aproximava. “E o ganhador é...vamos aos intervalos e divulgaremos no próximo bloco.”

- Assim, vou ter um ataque do coração! – berrava Estefany.
- Eu também, eu também! Será que temos chance?

“E o ganhador da promoção é Estefany Pereira da Silva. Foi o vídeo mais legal que a nossa produção recebeu. Daqui a pouco estaremos entrando em contato com a ouvinte que vai assistir a um desfile no Fashion Rio na fila A e com direito a um acompanhante. Parabéns!”

Os dois se entreolharam. Mal podiam acreditar no que tinham acabado de ouvir. Todo o afã em ver o Fashion Rio, as modelos, as celebridades estava agora realizado. E, embora pudesse parecer fútil para alguns, aquele sentimento era bem legítimo, bem transparente, bem sincero. Sonhos são questionáveis e separados na categoria de fútil e não fútil? Querer ganhar na loto é fútil? Querer se tornar grande é fútil? Famoso? Celebridade? Reconhecido? Colocar seu nome na história? Perpetuar seu nome, mesmo após anos e anos de morto! É fútil? O que é fútil? O que não é? Filosofia barata? Sonhar não é a maneira mais humana de se integrar ao mundo?

***

- Estefany! – falava o produtor do programa do outro lado da linha. – Preciso que você me fala o nome completo de quem vai com você assistir ao desfile.

A garota estava hesitante. Pensou, pensou:

- É... é... Eve.. quer dizer... – e num relance, como se tivesse criado coragem para falar disse: - Josicleide Souza dos Santos.

- Como? – berrou Everaldo com Estefany. – Eu entendi direito? – e falava num tom muito nervoso.

A garota totalmente sem graça tentou argumentar algo com Everaldo. Foi em vão. O rapaz já havia pegado o telefone das mãos de Estefany.

- Escuta aqui, meu senhor... – e gaguejava de nervosismo. – Quem fez o vídeo dela fui eu! Eu que vou com ela ao Fashion Rio!

- Lamento lhe informar, mas quem se inscreveu na promoção e os dados são dela. Ela tem o direito de escolher quem ela quiser!

- Mas eu que fiz o vídeo! – repetiu Everaldo. – E ela me prometeu que, caso ganhasse, eu seria o convidado.

- Meu senhor, isso não está nas regras do concurso. - e ratificou. – A vencedora é ela. Ela quem decide. Infelizmente não posso fazer nada. O nome da amiga dela já está aqui anotado. E desligou.

Diante da reação de Everaldo, Estefany estava agora chorando copiosamente. Ela havia agido como uma verdadeira vilã de novela mexicana. E o pior bem na frente do amigo. Não era apunhalada nas costas não, era no coração mesmo. De frente. Ao melhor estilo: sou má e não engano, te fiz de babaca.

- Por que você fez isso? – vociferava Everaldo, sacudindo a garota em prantos. – Por quê?

- Você... – e soluçava a garota sem conseguir terminar uma palavra. Semi-afônica. – Você... é... você não tem roupa bonita para ir!

- Como é que é? – berrou e berrou Everaldo.

Por fim, entrou no banheiro e bateu a porta. Estefany só fez chorar.

***

O grande dia tinha chegado para Estefany,para Everaldo era uma dupla decepção: a traição da amiga e não poder ir. Aquela traição, colocou a amizade dos dois em xeque. O rapaz já estava pronto para sair daquele apartamento alugado pelos dois. Ele iria procurar um menor. Não toleraria ficar com uma pessoa que, de maneira tão egoísta, fútil e egocêntrica, tinha praticamente aniquilado o sonho do rapaz.

- Mas por que a Josicleide? – pergunta ainda inconformado o garoto. Por quê?

- Não me faça sofrer, Evy! – Eu tenho que ficar bonita para hoje. Não vê que é a
realização do meu sonho?

- Você ainda tem coragem de me chamar de Evy? Não tem vergonha nessa sua cara de cavalo? E esse seu quadril largo? Você acha que vai arrasar nesse seu jeans skinny? Ta parecendo uma tanajura.

- Você pode me humilhar, Everaldo! Eu sei que você está magoado comigo. Eu entendo isso, mas eu tenho que pensar em mim primeiro. A Josicleide mora na Tijuca e tem roupas bonitas.

- Pera aí, você ta me trocando por uma garota que você mal conhece por que ela mora na Tijuca e tem roupas bonitas? A nossa amizade vale isso?

- Evy, não é isso! – e lamentava a garota – Você parece que não entende. Com ela, eu ganho mais visibilidade, tenho mais chances. E se eu conseguir algo, pode ter certeza que a primeira pessoa que eu ajudarei é você. Eu estou fazendo isso de coração. Eu prometo que assim que eu ganhar algum dinheiro como modelo, sairemos daqui e alugaremos um apartamento maior, em um outro lugar.

- Só não te dou um soco na cara porque não quero ser preso por agressão a mulher! Já estou enganado das suas atitudes egoístas sendo sempre justificadas por “eu vou te ajudar no futuro”, “faço isso pela gente”. Você também me prometeu que eu seria seu convidado para o Fashion Rio e quem você chamou? Você não honra as suas palavras. – e continuou tomando um pouco de ar. – Pode arranjar outra pessoa para dividir o apartamento porque eu saio daqui essa semana ainda.

Mas Estefany já estava praticamente pronta. E tinha que estar impecável. Ainda que o blush não fosse Lancôme, a roupa não fosse Osklen. Mas, pelo menos, ela tinha que disfarçar que era pobre. Já havia combinado com Josicleide. As duas dividiam um apartamento na Tijuca.

***

Para lá e para cá, completamente deslumbrada e ofegante, Estefany zanzava pelo Fashion Rio com a recém “best friend” Josicleide. Uma mão lava a outra, né? Josicleide achava Estefany breguíssima, mas não podia recusar o convite de um desfile concorrido na fila A. E ainda que pudesse se queimar, era melhor aceitar a mentirinha de que as duas moravam juntas na Tijuca. “Dos males o menor. Pelo menos vou assistir aos desfiles”, pensou Josi.

- Olha! – berrou Estefany. – É aquela atriz! É ela! – ofegante Estefany foi atrás quase que reverenciando uma Deusa.

- Tira uma foto, comigo? – e completou. – Admiro o seu trabalho. Vejo sempre você na TV! Você é linda!

A famosa atriz apenas respondeu com um lacônico obrigado. E tirou a foto com Estefany. A garota não se deixou abalar, pelo contrário ficou ainda mais atônita.

- Quanto glamour, né Josicleide? Quanta gente famosa, bonita! Espero que me notem também. Afinal de contas eu acho que não deixo a dever a essas famosas não. Eu também sou muito bonita, né?

Josicleide estava ali graças a Estefany. E seria deselegante contrariá-la. Estefany, para Josicleide, vestia-se de maneira cafona. Na verdade, a tijucana estava morrendo de vergonha da garota. “Calça skinny com esse quadril largo de tanajura. Que suburbana!”, riu sozinha.

- Amiga, já já vamos entrar na fila A. Já treinou a cara de blasé no espelho? Provavelmente vão pedir até para tirar foto com a gente. E eu estou um arraso, né?

Dessa vez, Josicleide não agüentou e deu uma leve risada que foi percebida pela garota.

- O que foi? Você acha que estou feia?

- Jamais! – com toda falsidade do mundo. – Você está deslumbrante. – Apenas estava rindo porque estou feliz de estar aqui!

- Ah que bom amiga! – e um leve sentimento de remorso bateu em Estefany. “Mas eu não poderia trazê-lo. Ele é cafona demais.”

Quando as duas entraram, uma leve decepção invadiu a além-carioca. A sala, onde seria realizado o desfile, não era tão glamourosa quanto parecia ser pelas fotos e pelos vídeos que havia visto. E ademais, a fila A, apesar de ser a primeira, não era nada de tão especial. Não tinha cadeiras especiais, não recebia champanhe ou um tratamento diferenciado. A decepção, no entanto, foi tão fugaz quanto o remorso por não ter chamado Everaldo. Logo, logo, a primeira fila de encheu de celebridade e os flashes começaram. Agora ela tinha que chamar atenção de alguma forma. Ela lutou por estar ali. Horas e horas de vídeo. Maquiagem, roupa, produção. E um texto, diga-se de passagem, bem competente falando o porquê de ela merecer estar no Fashion Rio. Não se podia negar um certo talento que ela tinha para escrita. Principalmente quando um assunto a empolgava demais.

- Ali, Josicleide! – Ali! – berrou. É o chefão daquela agência de modelos famosa. Minha chance. Vou falar com ele! – e correu atrás do senhor de meia-idade.

- Oi! – falava Estefany toda exibida e interrompendo uma conversa que ele estava tendo com um jornalista. A garota foi ignorada.

“Hmmm ele não escutou”

- Oi! – dessa vez ainda mais alto. – Posso falar com o senhor?

O homem interrompeu a entrevista que estava dando para atender a garota.

- Sim? Você é de qual jornal? – perguntou o senhor.

- Na verdade de jornal nenhum. – e continuou empolgada. – Vim aqui conversar com você porque quero muito ser modelo. Já fiz alguns cursos de postura e passarela e todos foram unânimes em falar que eu deveria tentar!

O homem a examinou com a maior cara de bunda do mundo. Nem adianta explicar detalhadamente, mas uma palavra resume bem: inefável a cara que ele a olhou. Por fim, foi curto e direito:

- Não dá! – e virou para continuar a entrevista com o jornalista.

- Mas como não dá? – perguntou Estefany em choque

Sua pergunta foi em vão. O dono da agência já havia se virado para continuar a entrevista.

Encabulada, desapontada, afônica, a garota estava em choque. Nem havia percebido o risinho debochado de Josicleide. Já não fazia muito mais sentido estar ali. A Fila A se transformou em um ícone de tristeza. Os seus sonhos, todos construídos de maneira árdua, enfim haviam terminado.

- Estefany! – e deleitava-se Josicleide, mas disfarçando bem. – É apenas a opinião de uma pessoa. Você já não viu na televisão que mesmo as modelos famosas já receberam vários “nãos” um dia? Vai desistir tão fácil?

Apesar de falsa, aquela fala de Josicleide tinha retomado a esperança da aspirante à modelo. O que a tijucana queria, no entanto, era cruel: ver Estefany sendo alvo de chacota e fruir com isso. Maldade mesmo! Moral da vida? Velho clichê? Quem com ferro fere será ferido? Estefany feriu Everaldo. Ela estava sendo ferida agora? Isso soa por demais simplista, clichê e propositalmente redundante como lugar-comum. Mas era esse lugar-comum que de comum era tão explícito que, paradoxalmente, Estefany parecia cega: ela não tinha a menor possibilidade de ser modelo.
Os nãos um atrás do outro só foram esquecidos quando Estefany se espantou com a presença de Everaldo. Sim, ele estava ali. Como?

- Hã?? – se espantou Estefany.

- Pois é, querida! Fui à luta! – e falava orgulhoso como se tivesse acabado de conquistar um troféu. – Entrei numa Lan House e consegui convite numa promoção do Twitter.

- Mas você está com uma roupa muito feia! – se espantou.

- Feia? Isso daqui eu customizei. Fiz um trabalho artesanal ontem e guardei. Tiraram foto minha, fiz contatos e parece que eu vou conseguir trabalhar como assistente de produção de uma figurinha bem famosa. E você?

Estefany se sentiu mal. Amparada por Josicleide a moça foi aos poucos perdendo os sentidos. De repente, todo o sonho da garota tinha se concretizado. Os flashes se voltaram para ela. Várias fotos e alguma confusão em torno da garota. Mas ela estava sem vida naquele momento para poder brilhar. Não tinha glamour aquelas fotos, não tinha maquiagem, sorrisos, ostentações. Era apenas uma garota desmaiada.

- Acho que a pressão dela caiu! – disse Josicleide nervosa, mas muito feliz com a atenção que estava recebendo. – Ela sofreu muita decepção hoje.

Não demorou muito e a garota retomou os sentidos. Depois disso, quase todos se afastaram. Alguns poucos foram perguntar se ela estava se sentindo melhor. Passados cinco minutos, lá estava ela no Píer Mauá. Novamente anônima. E sem vontade nenhuma de estar mais ali. O show havia terminado. Era hora de pegar o metro e depois um ônibus para casa.

***

- Você não vai acreditar, Everaldo!

- O que?

- Vem aqui – e ela berrava na Lan House de modo que todos a ouviram. Saí em dois jornais. Olha esse: “Fashionista desmaia na porta do desfile”. E com uma foto minha!

- Nossa, que bom! – disse o garoto em tom irônico. – Mas você não conseguiu que alguém te agenciasse, né?

- Não! – e uma leve decepção tomou conta da garota. – Mas minha foto, com meu nome está aqui em dois jornais.

- Pois é! Mas eu vou trabalhar de assistente de um nome da moda! Que pena! – e continuou o deboche. – Isso porque eu não tinha roupa e era cafona, né? Morra de inveja, amiga!

Mas a garota não se deixou abater. A divulgação de seu nome na Internet já tinha feito a alegria da garota. Mas alegria fugaz, mais uma vez. Os comentários dos internautas do acontecimento foram deixando Estefany cada vez mais cabisbaixa. “Mas que garota sem noção”, “pobre quando vai em envento que tem muita celebridade passa vexame”, “mas que roupa sem noção da garota é essa?”, “que garota feia”. Era uma chuva de comentários pejorativos. E a moderação parecia não se importar em censurar a opinião dos leitores. Por fim, Estefany foi se achando a mais ridícula de todas. Uma lágrima sutil escorreu do canto do seu olho esquerdo. E foi só. Saiu dali e voltou para casa. Agora era voltar a rotina.

***

À noite, já prestes a dormir, Estefany foi pedir desculpas a Everaldo.

- Sabe, eu realmente não agi certo com você! Fui totalmente egoísta e egocêntrica. – lamentava a garota. – E não falo isso porque você conseguiu se dar melhor lá não. Falo isso porque os dias têm sido muito confusos para mim e eu aprendi bastante. Não queria que a nossa amizade terminasse por essa atitude errada que eu tive!

- Olha Estefany... – e Everaldo olhou bem nos olhos da garota. – Eu queria te confessar que eu também menti. Não consegui contato nenhum ali e nem tiraram uma foto minha. Falei aquilo porque estava morrendo de raiva de você. Bom, voltamos à estaca zero, né?

E os dois se abraçaram e riram.

- Estaca zero? – pensou Estefany. – Hmmm até pode ser, mas as inscrições para o BBB começam semana que vem! Vamos caprichar no vídeo?

- Não vai vacilar comigo dessa vez? Olha a nossa amizade!

- Não, não! – falou convictamente. – Aprendi muito! – e animou-se. – Se aquele garoto do Youtube que fala “adoron”, se os gays da barraca de Aruba, se a Tessália e o Serginho fizeram a fama na Internet e, principalmente, se a Geisy fez a fama com um vestidinho rosa, por que nós não podemos ser famosos? Dá próxima vez, saio com a genitália desnuda! – e riu

- Aí você vai ser presa!

- Que nada, beeee! A gente fala que fomos a uma praia de nudismo e deixamos a nossa roupa em um lugar e quando voltamos, elas tinham sido roubadas!

Os dois riram como se nada tivesse acontecido.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

O Desastre em Niterói





Vilões e Mocinhos do Capitalismo


Vivemos no Capitalismo e esse modo de produção pressupõe algumas mazelas constantemente esquecidas ou negligenciadas por todos nós. Há de se ressaltar alguns preceitos inerentes ao capitalismo: relação proletariado (que não detém o capital) versus burguês (dono do capital). O sistema é assim; feito de contrastes e diferenças. Não, esse não é um discurso marxista, mas empirista de quem convive com o capitalismo no dia-a-dia e de quem reflete sobre ele. A ascensão social preconizada pelos defensores do sistema é limitada, pois se todos se tornassem donos do capital a relação proletariado x detentor do capital desmanchar-se-ia e, consequentemente, o capitalismo. Será que haveria de fato espaço para a ascensão social irrestrita de todos nesse sistema?

Considerando os pressupostos básicos, avançamos para as conseqüências: as diferenças. E, em um sistema em que o capital é o ápice de todo o funcionamento, a dispare mais evidente ocorre entre os que possuem o capital e os que não possuem. É difícil enxergar essa relação tão maniqueísta, ainda mais quando levamos em consideração as complexidades relacionais do capitalismo vigente. Não se trata mais das fases incipientes do sistema: donos de indústria e empregados da indústria. Nessa relação incipiente ficava claro a diferença e o antagonismo de duas classes sociais distintas, mas e agora?

O capitalismo se modernizou, tornou-se muito mais complexo e os papéis desempenhados por nós também. Se outrora a mobilidade social era menos percebida e os papéis bem separados, atualmente os relacionamentos são embaralhados. Em outras palavras, somos rotineiramente donos e não donos do capital. Ao trabalhar em uma empresa privada e receber dela uma remuneração mensal, somos os proletariados, mas, concomitantemente, somos os capitalistas quando chegamos a nossas casas e temos uma empregada: nós temos o capital, ela o trabalho. E existem, em uma escala hierárquica, um sem-fim dessas novas relações contemporâneas capitalistas. O chefe > o diretor geral > o vice-diretor geral > o diretor do departamento x > o vice-diretor do departamento x > os empregados instruídos > os empregados não instruídos, etc. Isso apenas para sintetizar de modo extremamente simplista os graus hierárquicos dentro de uma empresa. No cotidiano, por exemplo, nada impede que mesmo a rabeira hierárquica, no nosso exemplo os empregados não instruídos, desempenhem o papel de donos do capital. Para efeito de ilustração, se eles contratam alguns serviços, tais como diarista, empregada, taxistas, ou seja, qualquer atividade em que eles são provedores de capital, então os empregados não instruídos, nesses casos, sairão da condição de proletariados para se tornarem os burgueses.

Como a relação atual é muito mais complexa, fica cada vez mais difícil distinguir a dicotomia: proletariado x burguês. E se falarmos nesse assunto, corremos o risco de sermos tachados de antiquados, simplistas e marxistas fanáticos. Muitos irão se perguntar se de fato existe essa dicotomia. Pode uma dicotomia amalgamar-se? Sim, claro que pode, pois essa mistura é exclusivamente fruto do incremento capitalista e não gera mudança na essência das relações desse sistema: sempre alguém ou algo (no caso de uma empresa) detém o capital versus alguém ou algo que não detém o capital. O incremento capitalista, contudo, esconde e, muitas vezes, forja essa relação dicotômica. E mais ainda, ridiculariza quem trata o sistema de forma maniqueísta; vilões e mocinhos. O problema agora é que em maior ou menor grau todos são vilões e mocinhos concomitantemente.

Na prática, entretanto, nós não nos vemos dessa forma. Não adianta recebermos 510 reais por mês e termos um desempregado que presta “bicos” para nós e em troca pagamos 30, 40 reais a ele. Nós não nos veríamos donos de capital, pelo menos não o senso comum. Nós nos veríamos como pobres ajudando outros ainda mais pobres. Da mesma forma, um vice-diretor de uma grande empresa que ganha 30 mil reais mensais não se veria como proletariado diante do diretor que ganha 60 mil, mas como um assistente. Depreende-se daí que, grosso modo, o sistema capitalista contemporâneo ignora os meandros filosóficos das relações proletariado versus burguês. Na prática, quem tem muito capital será sempre o burguês, quem tem pouco capital será sempre o proletariado. Como vimos, no entanto, isso não é bem assim. Essa nova acepção esconde ainda mais os pressupostos filosóficos capitalistas. E, nesse âmbito, os vice-diretores que ganham 30 mil e os diretores que ganham 60 mil são os vilões, os assalariados que ganham 510 reais são os mocinhos. Qual o alento para os proletariados? Acender socialmente. Passar de 510 reais para 1.020, 1530 e assim sucessivamente. E isso pode acontecer? Sim, pode, mas o que o senso comum não entende é a exceção do caso, comumentemente, transformada em regra. E por que exceção? Aí, voltemos para o parágrafo dois do texto para entendermos o porquê de casos de ascensão social no capitalismo serem exceções e não regras.

Muitos devem estar se perguntando o que isso tem a ver com os desastres ocorridos recentemente em Niterói. A conexão que gostaria de fazer é justamente esta: vilões e mocinhos dentro do sistema capitalista. Os moradores do Morro do Bumba, assim como qualquer morador de área de risco ou ainda qualquer pessoa que possua menor recurso financeiro, compactuam, conscientemente ou não, com todos os pressupostos capitalistas aqui apresentados. Se não compactuassem, protestariam contra o sistema. Não participariam dele. Lutariam da mesma forma que os burgueses lutaram na Revolução Francesa. Mas existe consciência e mais existe coragem? A consciência de viverem em um sistema capitalista é constantemente forjada pela ideologia do status quo: mobilidade social, quanto mais trabalhar, mais receberei, etc. E mais, quantos deles se sentem de fato privilegiados ao verem um mendigo na rua? Quantos deles percebem que, para além de mocinhos, também são vilões do sistema (a maioria sabia que o Morro do Bumba era outrora um lixão)? Também são exploradores? Dada as devidas proporções, obviamente.

Falemos agora dos “vilões tradicionais”, que no caso são o prefeito, Jorge Roberto Silveira, os secretários de planejamento, habitação, etc. Estariam eles preocupados em fazer o papel de administradores que, antes de mais nada, devem zelar por moradia decente e digna para os moradores de suas cidades? Mas esses vilões seriam de fato apenas vilões visto que os moradores do Morro do Bumba sabiam em maior ou menor grau os riscos que corriam? Até que ponto o prefeito teria coragem de remover os moradores das áreas de riscos? Mais ainda, até que ponto, em uma cidade onde as áreas nobres estão cada vez mais valorizadas, esses moradores poderiam morar? Eles detêm pouco capital e isso, todos nós sabemos, é fator determinante para inclusão ou exclusão dentro do sistema. Mas e se eles tivessem consciência disso, se eles tivessem consciência de todos os meandros filosóficos das relações capitalistas, estariam eles fadados à ignorância e à pobreza ou partiriam para uma revolução? Isso, obviamente, transcende os moradores do Bumba e as tragédias ocorridas em Niterói. O que se evidenciou nessa tragédia é, a priori, um problema do capitalismo, um problema da relação proletariado versus burguês, um problema filosófico do sistema cujas alternativas, tanto dos moradores quanto das autoridades, passam muito longe da real solução do problema.

A mídia coloca cada vez mais pressão para que se achem culpados. Mas existem unissonicamente vilões e mocinhos dentro do sistema capitalista ou esses papéis são constantemente trocados? Falar de remoção para áreas que não sejam de risco, ajudas financeiras, déficit habitacional e necessidade de mais casas populares é ser extremamente superficial. É tampar a origem do problema, que é filosófica e discutir conseqüências filosóficas do sistema: desigualdade, pobres e ricos. Por que os pobres merecem sempre migalhas? Ou será que as pessoas da mídia, caso tivessem suas casas em área de risco, iriam se contentar em mudar para locais com problemas de infra-estrutura e longe dos principais centros? Será que iriam gostar de viver em uma casa de 50m²? Por isso, esse debate, em que se deixa de lado a filosofia básica em que estamos imersos é praticamente inócuo. E, infelizmente, não só a mídia, mas a maior parte das pessoas se concentra nessa esfera.

E os mocinhos tradicionais, os excluídos do sistema. Por que eles se contentam com tão pouco? Por que eles não percebem a condição deles de explorados, mas também de vilões ao aceitarem fazer parte, repetindo novamente, conscientemente ou não desse sistema? A história da sociedade é marcada pelas lutas por melhorias sociais, por necessidades básicas, por díspares menores, etc e cabe cada um de nós ter consciência de que NADA, NADA está pronto. Nós criamos a nossa história social, nós criamos o dinheiro, nós criamos a pobreza. E todos nós somos vilões e mocinhos dentro desse sistema.