quinta-feira, 3 de junho de 2010

No Fashion Rio

- Evy, dá para você me filmar direito! – gritava Estefany agoniada. – Eu tô bonita, migo? A maquiagem tá boa?

Everaldo mal se agüentava atrás das câmeras. Apesar da grande amizade que tinha por Estefany, aquela situação não estava sendo nada favorável a ele. Depois de um cursinho de Moda, que já havia terminado há um ano, Everaldo tentava sem sucesso um emprego no ramo. Mas nunca tinha conseguido uma festa vip, um convite para qualquer desfile. Nada! “Isso tudo porque eu sou pobre, lamentava”. O ego, ou talvez pseudoego do rapaz de 20 anos, no entanto, logo retrucava “Posso ser pobre, mas tenho estilo. Sou puro glam.”

Naquele momento, o aspirante a estilista, estava ali. Atrás do foco, por trás dos bastidores. E a estrela não era ele. Sua amiga, Estefany estava no ápice egocêntrico de um ser humano. Mas o ápice, paradoxalmente, sempre poderia ser mais ápice. De maneira bem pobre e inversamente: o fundo do poço sempre pode ser mais fundo, logo o ápice egocêntrico sempre pode ser mais alto. A disputa ali era boa. Uma espécie de guerra fria. Ambos querendo aparecer mais que o outro. E, apesar da longa amizade, quase fraterna, naquele momento eles eram rivais: a briga para aparecer na frente das câmeras e não atrás.

Mergulhado em seus planos e pretensões, Everaldo se esqueceu da amiga. Estava quase em um transe hipnótico vislumbrando o momento em que todos os flashes seriam para ele e, com a cara mais blasé do mundo, metodicamente pré-ensaiada no espelho de casa, o rapaz falaria algo do tipo: “Não ligo para a fama.” Pronto. O personagem seria construído.

- Everaldo Gotardo! – implicava Estefany. – Você não percebeu que eu já acabei de falar? Vai ficar aí me filmando ainda? – e continuava – Tá pensando em que?

Por um momento, as divagações simplistas daquela mente juvenil haviam feito o rapaz se esquecer daquele vídeo tão importante. Ainda que ele estivesse por trás, aquela filmagem poderia ser um passaporte para ele: os dois estavam concorrendo a uma promoção da FM o dia. O ganhador teria direito a um convite duplo para assistir ao Fashion Rio. E mais: direito ao assento na fila A em um dos desfiles da marca mais famosa do momento. Pronto! Era meio caminho para o luxo! E nesse barco, o ego dos dois era complementar. Era quase altruísta. Porque um dependia do outro. Logo, Everaldo queria que Estefany saísse linda, que a maquiagem estivesse ótima e que o vídeo fosse um sucesso.

- Pena que a gente não pode postar no Youtube ainda! – lamentava Estefany. – Eu acho que ficou ótimo! E você, amigo?

- Ficou divino! Achei superdigno! – falava Everaldo ainda meio nauseado daquele transe fugaz rumo ao estrelato.

- Eu tô parecendo alta? Tô magra? Você acha que o que eu falei vai agradar as pessoas? – e não cessavam as perguntas de Estefany.

Everaldo somente acenava que sim com a cabeça. Naquele momento, ele estava em outra. Já fazia planos e pensava na maneira de se comportar quando estivesse na Fila A diante de muitas celebridades. Mas faltava, é claro, ganhar a promoção.

- Vamos para casa agora? – dizia Estefany. – Longo caminho! Ai, não agüento mais morar tão longe. Essa vida de pegar trem não é para mim! Eu sou alta, tenho 1,70, é uma altura boa para mulher, né Evy? – e emendava sem deixar o rapaz responder. – E no mais, com meu salto eu fico com 1.80. Por que será que ainda nenhum caça-talentos me encontrou? Acho que temos que voltar mais aqui ao Leblon, Evy!

Depois de um dia perdido com uma filmagem de menos de cinco minutos no Mirante do Leblon, Estefany e Everaldo iriam se preparar agora para uma longa jornada até São João de Meriti. Geralmente pegavam o metrô até a Pavuna e depois um ônibus. Mas ela ainda queria passar no shopping para comprar roupas. E, por isso, era mais fácil pegar o trem, embora fosse menos glamouroso.

- Se a gente ganhar a promoção, Evy, não vamos falar que moramos em São João de Meriti lá no Fashion Rio não!

- Claro que não, né, amiga! – o pessoal nos olharia completamente torto. – A gente fala que mora no Rio, afinal a Pavuna fica pertinho da nossa casa. – Muito mais status! – Everaldo já havia voltado do transe e falava agora com um certo entusiasmo.

- É, mas morar na Pavuna também não é grandes coisas, né? A gente pode inventar uma historinha, amigo! – e parou um tempo para pensar. – Porque eu não quero ir naquele quadro do Faustão quando eu ficar famosa e ter que ouvir dele: “Estefany, garota pobre que venceu na vida.” Isso soa clichê demais, né? Mesmo porque eu já faço faculdade e você tem o seu cursinho de Moda. – e emendou – Não! Definitivamente não! Vamos falar que moramos em uma casa confortável na Pavuna e que adoramos morar aqui!

Finalmente, houve um longo período de silêncio. O ego de ambos agora estava milimetricamente diminuindo. Parecia ensaio. Pouco a pouco. Bem paulatinamente. Quanto mais longe do Leblon, quanto mais próximo de casa, a vaidade ia se esvaindo. O processo, contudo, começou a se inverter assim que eles pegaram o trem. Principalmente Estefany.

- Evy! – sussurava a garota. – Aquela senhora tá olhando para mim! Você a conhece?

- Acho que não! – e o rapaz analisava melhor aquela senhora de óculos. – Mas é para você ou para mim?

- Claro que é para mim! – Estefany se invocou. – Quantos vídeos você tem no Youtube? Eu tenho mais de 40. E já foram mais de 200 visitas. Aposto que ela me reconheceu!

- Mas eu também tenho vários vídeos no Youtube! E no mais, se não fosse por mim você não teria vídeo nenhum! Eu que comprei a câmera! Não seja esnobe e mal agradecida!

A garota ignorou a última fala do amigo. A senhora se aproximava cada vez mais. E ambos não a reconheciam. Seria uma fã dos dois? A agitação bateu forte. O ego, agora sorrateiramente, inflou. Dos dois. Para quem seria o olhar daquela idosa?

- Estefany! – gritou a senhora. – Quanto tempo! Que saudades em reencontrá-la! – falava empolgada Dona Úrsula.

- Ah.. ah! – quase que em tom de velório Estefany mal conseguia responder. “Que lamento”. – Mas é você Dona Úrsula?

- Ai, querida! – ria a velha, com um sorriso simpático. – Eu pintei meus cabelos e agora estou usando óculos para vista cansada. – E faz tanto tempo que não nos víamos, né! Eu sei que estou quase irreconhecível! – e a empolgação continuava. – Como está a sua mãe? E você? Também está tão mudada! Cresceu, ficou alta... eu mal te reconheci!

- Mal me reconheceu? – disse Estefany em tom fúnebre. – Ah tá! A senhora está bem?

Everaldo se controlava para não soltar uma gargalhada que chamaria a atenção de todo o trem. Era visível a decepção da garota. “Ela pensando que seria reconhecia por causa de alguns vídeos no Youtube.” E controlava para não rir.
Em um rompante de esperança, Estefany tentou lançar a última cartada:

- Mas se estou tão diferente assim, como a senhora me reconheceu? Por acaso você viu algum vídeo meu no Youtube?

-´Como?? – não entendia a senhora!

- No YOU-TUBE! – repetia vagarosamente a garota.

- O que é isso, minha querida? Não tô entendendo!

- Aquele site da internet que hospedava vídeos! – e a esperança estava novamente indo embora.

- Ah minha filha! – pôs-se rir Dona Úrsula. – Eu nem mexo na Internet. Para mim isso é grego. É coisa para jovens, né? – riu sozinha. – Eu reparei bem, e me perdoe, mas o seu quadril largo não muda. Acho lindo. E depois essa pinta aí acima do umbigo é única. – e emendou. – Aliás, com tanto decote, não está com frio, querida?

- Não tô não! – Estefany estava quase mirando a jugular de Dona Úrsula.

***

À noite, antes de dormir, aquele encontro ainda martelava na cabeça de Estefany.

- Você acha que eu tenho o quadril largo, Everaldo?

- Não, não, está ótimo! – e o rapaz segurava para não dar um risinho.

- Mas você acha que eu posso ser modelo com esse corpo?
- Claro, claro! – e se segurava para não rir. Você está ótima. – a hipocrisia reinava.

“Coitado do Everaldo, a beleza não compareceu na sua estética’, pensava Estefany.

- Bem, vamos dormir que amanhã já sai o resultado da promoção! E eu já até comprei as roupas caso eu vença. Estou preparada. Beijos, Evy!

***

Estefanie e Everaldo aguardavam ansiosamente. Eram quatro horas da tarde e a promoção da FM o Dia seria divulgada em breve. Os dois mal se continham. Desejo, esperança, fama, riqueza, sucesso, tudo amalgamado, embaralhado, mixado, no final, tudo se resumia ao ego mesmo. Os dois já faziam planos para o Fashion Rio. O único medo de Everaldo era a roupa. Naquele mês não havia sobrado nenhuma grana para comprar roupa. E justamente quando ele mais precisava. Não dava para parcelas nem na C&A. Mas ele também não queria. Preferia ir com a camisa da Osklen já um pouco surrada. Mas era Osklen, né? O glamour máximo daquela mente regional.
O locutor fazia suspense. A hora se aproximava. “E o ganhador é...vamos aos intervalos e divulgaremos no próximo bloco.”

- Assim, vou ter um ataque do coração! – berrava Estefany.
- Eu também, eu também! Será que temos chance?

“E o ganhador da promoção é Estefany Pereira da Silva. Foi o vídeo mais legal que a nossa produção recebeu. Daqui a pouco estaremos entrando em contato com a ouvinte que vai assistir a um desfile no Fashion Rio na fila A e com direito a um acompanhante. Parabéns!”

Os dois se entreolharam. Mal podiam acreditar no que tinham acabado de ouvir. Todo o afã em ver o Fashion Rio, as modelos, as celebridades estava agora realizado. E, embora pudesse parecer fútil para alguns, aquele sentimento era bem legítimo, bem transparente, bem sincero. Sonhos são questionáveis e separados na categoria de fútil e não fútil? Querer ganhar na loto é fútil? Querer se tornar grande é fútil? Famoso? Celebridade? Reconhecido? Colocar seu nome na história? Perpetuar seu nome, mesmo após anos e anos de morto! É fútil? O que é fútil? O que não é? Filosofia barata? Sonhar não é a maneira mais humana de se integrar ao mundo?

***

- Estefany! – falava o produtor do programa do outro lado da linha. – Preciso que você me fala o nome completo de quem vai com você assistir ao desfile.

A garota estava hesitante. Pensou, pensou:

- É... é... Eve.. quer dizer... – e num relance, como se tivesse criado coragem para falar disse: - Josicleide Souza dos Santos.

- Como? – berrou Everaldo com Estefany. – Eu entendi direito? – e falava num tom muito nervoso.

A garota totalmente sem graça tentou argumentar algo com Everaldo. Foi em vão. O rapaz já havia pegado o telefone das mãos de Estefany.

- Escuta aqui, meu senhor... – e gaguejava de nervosismo. – Quem fez o vídeo dela fui eu! Eu que vou com ela ao Fashion Rio!

- Lamento lhe informar, mas quem se inscreveu na promoção e os dados são dela. Ela tem o direito de escolher quem ela quiser!

- Mas eu que fiz o vídeo! – repetiu Everaldo. – E ela me prometeu que, caso ganhasse, eu seria o convidado.

- Meu senhor, isso não está nas regras do concurso. - e ratificou. – A vencedora é ela. Ela quem decide. Infelizmente não posso fazer nada. O nome da amiga dela já está aqui anotado. E desligou.

Diante da reação de Everaldo, Estefany estava agora chorando copiosamente. Ela havia agido como uma verdadeira vilã de novela mexicana. E o pior bem na frente do amigo. Não era apunhalada nas costas não, era no coração mesmo. De frente. Ao melhor estilo: sou má e não engano, te fiz de babaca.

- Por que você fez isso? – vociferava Everaldo, sacudindo a garota em prantos. – Por quê?

- Você... – e soluçava a garota sem conseguir terminar uma palavra. Semi-afônica. – Você... é... você não tem roupa bonita para ir!

- Como é que é? – berrou e berrou Everaldo.

Por fim, entrou no banheiro e bateu a porta. Estefany só fez chorar.

***

O grande dia tinha chegado para Estefany,para Everaldo era uma dupla decepção: a traição da amiga e não poder ir. Aquela traição, colocou a amizade dos dois em xeque. O rapaz já estava pronto para sair daquele apartamento alugado pelos dois. Ele iria procurar um menor. Não toleraria ficar com uma pessoa que, de maneira tão egoísta, fútil e egocêntrica, tinha praticamente aniquilado o sonho do rapaz.

- Mas por que a Josicleide? – pergunta ainda inconformado o garoto. Por quê?

- Não me faça sofrer, Evy! – Eu tenho que ficar bonita para hoje. Não vê que é a
realização do meu sonho?

- Você ainda tem coragem de me chamar de Evy? Não tem vergonha nessa sua cara de cavalo? E esse seu quadril largo? Você acha que vai arrasar nesse seu jeans skinny? Ta parecendo uma tanajura.

- Você pode me humilhar, Everaldo! Eu sei que você está magoado comigo. Eu entendo isso, mas eu tenho que pensar em mim primeiro. A Josicleide mora na Tijuca e tem roupas bonitas.

- Pera aí, você ta me trocando por uma garota que você mal conhece por que ela mora na Tijuca e tem roupas bonitas? A nossa amizade vale isso?

- Evy, não é isso! – e lamentava a garota – Você parece que não entende. Com ela, eu ganho mais visibilidade, tenho mais chances. E se eu conseguir algo, pode ter certeza que a primeira pessoa que eu ajudarei é você. Eu estou fazendo isso de coração. Eu prometo que assim que eu ganhar algum dinheiro como modelo, sairemos daqui e alugaremos um apartamento maior, em um outro lugar.

- Só não te dou um soco na cara porque não quero ser preso por agressão a mulher! Já estou enganado das suas atitudes egoístas sendo sempre justificadas por “eu vou te ajudar no futuro”, “faço isso pela gente”. Você também me prometeu que eu seria seu convidado para o Fashion Rio e quem você chamou? Você não honra as suas palavras. – e continuou tomando um pouco de ar. – Pode arranjar outra pessoa para dividir o apartamento porque eu saio daqui essa semana ainda.

Mas Estefany já estava praticamente pronta. E tinha que estar impecável. Ainda que o blush não fosse Lancôme, a roupa não fosse Osklen. Mas, pelo menos, ela tinha que disfarçar que era pobre. Já havia combinado com Josicleide. As duas dividiam um apartamento na Tijuca.

***

Para lá e para cá, completamente deslumbrada e ofegante, Estefany zanzava pelo Fashion Rio com a recém “best friend” Josicleide. Uma mão lava a outra, né? Josicleide achava Estefany breguíssima, mas não podia recusar o convite de um desfile concorrido na fila A. E ainda que pudesse se queimar, era melhor aceitar a mentirinha de que as duas moravam juntas na Tijuca. “Dos males o menor. Pelo menos vou assistir aos desfiles”, pensou Josi.

- Olha! – berrou Estefany. – É aquela atriz! É ela! – ofegante Estefany foi atrás quase que reverenciando uma Deusa.

- Tira uma foto, comigo? – e completou. – Admiro o seu trabalho. Vejo sempre você na TV! Você é linda!

A famosa atriz apenas respondeu com um lacônico obrigado. E tirou a foto com Estefany. A garota não se deixou abalar, pelo contrário ficou ainda mais atônita.

- Quanto glamour, né Josicleide? Quanta gente famosa, bonita! Espero que me notem também. Afinal de contas eu acho que não deixo a dever a essas famosas não. Eu também sou muito bonita, né?

Josicleide estava ali graças a Estefany. E seria deselegante contrariá-la. Estefany, para Josicleide, vestia-se de maneira cafona. Na verdade, a tijucana estava morrendo de vergonha da garota. “Calça skinny com esse quadril largo de tanajura. Que suburbana!”, riu sozinha.

- Amiga, já já vamos entrar na fila A. Já treinou a cara de blasé no espelho? Provavelmente vão pedir até para tirar foto com a gente. E eu estou um arraso, né?

Dessa vez, Josicleide não agüentou e deu uma leve risada que foi percebida pela garota.

- O que foi? Você acha que estou feia?

- Jamais! – com toda falsidade do mundo. – Você está deslumbrante. – Apenas estava rindo porque estou feliz de estar aqui!

- Ah que bom amiga! – e um leve sentimento de remorso bateu em Estefany. “Mas eu não poderia trazê-lo. Ele é cafona demais.”

Quando as duas entraram, uma leve decepção invadiu a além-carioca. A sala, onde seria realizado o desfile, não era tão glamourosa quanto parecia ser pelas fotos e pelos vídeos que havia visto. E ademais, a fila A, apesar de ser a primeira, não era nada de tão especial. Não tinha cadeiras especiais, não recebia champanhe ou um tratamento diferenciado. A decepção, no entanto, foi tão fugaz quanto o remorso por não ter chamado Everaldo. Logo, logo, a primeira fila de encheu de celebridade e os flashes começaram. Agora ela tinha que chamar atenção de alguma forma. Ela lutou por estar ali. Horas e horas de vídeo. Maquiagem, roupa, produção. E um texto, diga-se de passagem, bem competente falando o porquê de ela merecer estar no Fashion Rio. Não se podia negar um certo talento que ela tinha para escrita. Principalmente quando um assunto a empolgava demais.

- Ali, Josicleide! – Ali! – berrou. É o chefão daquela agência de modelos famosa. Minha chance. Vou falar com ele! – e correu atrás do senhor de meia-idade.

- Oi! – falava Estefany toda exibida e interrompendo uma conversa que ele estava tendo com um jornalista. A garota foi ignorada.

“Hmmm ele não escutou”

- Oi! – dessa vez ainda mais alto. – Posso falar com o senhor?

O homem interrompeu a entrevista que estava dando para atender a garota.

- Sim? Você é de qual jornal? – perguntou o senhor.

- Na verdade de jornal nenhum. – e continuou empolgada. – Vim aqui conversar com você porque quero muito ser modelo. Já fiz alguns cursos de postura e passarela e todos foram unânimes em falar que eu deveria tentar!

O homem a examinou com a maior cara de bunda do mundo. Nem adianta explicar detalhadamente, mas uma palavra resume bem: inefável a cara que ele a olhou. Por fim, foi curto e direito:

- Não dá! – e virou para continuar a entrevista com o jornalista.

- Mas como não dá? – perguntou Estefany em choque

Sua pergunta foi em vão. O dono da agência já havia se virado para continuar a entrevista.

Encabulada, desapontada, afônica, a garota estava em choque. Nem havia percebido o risinho debochado de Josicleide. Já não fazia muito mais sentido estar ali. A Fila A se transformou em um ícone de tristeza. Os seus sonhos, todos construídos de maneira árdua, enfim haviam terminado.

- Estefany! – e deleitava-se Josicleide, mas disfarçando bem. – É apenas a opinião de uma pessoa. Você já não viu na televisão que mesmo as modelos famosas já receberam vários “nãos” um dia? Vai desistir tão fácil?

Apesar de falsa, aquela fala de Josicleide tinha retomado a esperança da aspirante à modelo. O que a tijucana queria, no entanto, era cruel: ver Estefany sendo alvo de chacota e fruir com isso. Maldade mesmo! Moral da vida? Velho clichê? Quem com ferro fere será ferido? Estefany feriu Everaldo. Ela estava sendo ferida agora? Isso soa por demais simplista, clichê e propositalmente redundante como lugar-comum. Mas era esse lugar-comum que de comum era tão explícito que, paradoxalmente, Estefany parecia cega: ela não tinha a menor possibilidade de ser modelo.
Os nãos um atrás do outro só foram esquecidos quando Estefany se espantou com a presença de Everaldo. Sim, ele estava ali. Como?

- Hã?? – se espantou Estefany.

- Pois é, querida! Fui à luta! – e falava orgulhoso como se tivesse acabado de conquistar um troféu. – Entrei numa Lan House e consegui convite numa promoção do Twitter.

- Mas você está com uma roupa muito feia! – se espantou.

- Feia? Isso daqui eu customizei. Fiz um trabalho artesanal ontem e guardei. Tiraram foto minha, fiz contatos e parece que eu vou conseguir trabalhar como assistente de produção de uma figurinha bem famosa. E você?

Estefany se sentiu mal. Amparada por Josicleide a moça foi aos poucos perdendo os sentidos. De repente, todo o sonho da garota tinha se concretizado. Os flashes se voltaram para ela. Várias fotos e alguma confusão em torno da garota. Mas ela estava sem vida naquele momento para poder brilhar. Não tinha glamour aquelas fotos, não tinha maquiagem, sorrisos, ostentações. Era apenas uma garota desmaiada.

- Acho que a pressão dela caiu! – disse Josicleide nervosa, mas muito feliz com a atenção que estava recebendo. – Ela sofreu muita decepção hoje.

Não demorou muito e a garota retomou os sentidos. Depois disso, quase todos se afastaram. Alguns poucos foram perguntar se ela estava se sentindo melhor. Passados cinco minutos, lá estava ela no Píer Mauá. Novamente anônima. E sem vontade nenhuma de estar mais ali. O show havia terminado. Era hora de pegar o metro e depois um ônibus para casa.

***

- Você não vai acreditar, Everaldo!

- O que?

- Vem aqui – e ela berrava na Lan House de modo que todos a ouviram. Saí em dois jornais. Olha esse: “Fashionista desmaia na porta do desfile”. E com uma foto minha!

- Nossa, que bom! – disse o garoto em tom irônico. – Mas você não conseguiu que alguém te agenciasse, né?

- Não! – e uma leve decepção tomou conta da garota. – Mas minha foto, com meu nome está aqui em dois jornais.

- Pois é! Mas eu vou trabalhar de assistente de um nome da moda! Que pena! – e continuou o deboche. – Isso porque eu não tinha roupa e era cafona, né? Morra de inveja, amiga!

Mas a garota não se deixou abater. A divulgação de seu nome na Internet já tinha feito a alegria da garota. Mas alegria fugaz, mais uma vez. Os comentários dos internautas do acontecimento foram deixando Estefany cada vez mais cabisbaixa. “Mas que garota sem noção”, “pobre quando vai em envento que tem muita celebridade passa vexame”, “mas que roupa sem noção da garota é essa?”, “que garota feia”. Era uma chuva de comentários pejorativos. E a moderação parecia não se importar em censurar a opinião dos leitores. Por fim, Estefany foi se achando a mais ridícula de todas. Uma lágrima sutil escorreu do canto do seu olho esquerdo. E foi só. Saiu dali e voltou para casa. Agora era voltar a rotina.

***

À noite, já prestes a dormir, Estefany foi pedir desculpas a Everaldo.

- Sabe, eu realmente não agi certo com você! Fui totalmente egoísta e egocêntrica. – lamentava a garota. – E não falo isso porque você conseguiu se dar melhor lá não. Falo isso porque os dias têm sido muito confusos para mim e eu aprendi bastante. Não queria que a nossa amizade terminasse por essa atitude errada que eu tive!

- Olha Estefany... – e Everaldo olhou bem nos olhos da garota. – Eu queria te confessar que eu também menti. Não consegui contato nenhum ali e nem tiraram uma foto minha. Falei aquilo porque estava morrendo de raiva de você. Bom, voltamos à estaca zero, né?

E os dois se abraçaram e riram.

- Estaca zero? – pensou Estefany. – Hmmm até pode ser, mas as inscrições para o BBB começam semana que vem! Vamos caprichar no vídeo?

- Não vai vacilar comigo dessa vez? Olha a nossa amizade!

- Não, não! – falou convictamente. – Aprendi muito! – e animou-se. – Se aquele garoto do Youtube que fala “adoron”, se os gays da barraca de Aruba, se a Tessália e o Serginho fizeram a fama na Internet e, principalmente, se a Geisy fez a fama com um vestidinho rosa, por que nós não podemos ser famosos? Dá próxima vez, saio com a genitália desnuda! – e riu

- Aí você vai ser presa!

- Que nada, beeee! A gente fala que fomos a uma praia de nudismo e deixamos a nossa roupa em um lugar e quando voltamos, elas tinham sido roubadas!

Os dois riram como se nada tivesse acontecido.

2 comentários:

  1. Nossa Bernardo que crônica sensacional..Narra a história de uma garota e um rapaz que são pobres e, querem ter um dia de celebridade..Para que isso aconteça fazem de tudo para conseguirem um convite para o Fashion Rio.Lá eles conseguem entrar e ficam procurando celebridades e agenciadores de modelos.... Para, também, quem sabe, serem famosos.... um dia...É bom sonhar,,,,Como você disse nesta sua belíssima crônica: " Sonhar é a maneira mais humana de se integarar ao mundo.....Parabéns.Você é um escritor que consegue alcançar o âmago das pessoas.....Mexe com a nossa sensibilidade....Beijos no seu coraçao

    ResponderExcluir
  2. Gostei, gostei...
    Dá um bom capítulo de uma novela mexicana!

    ResponderExcluir