sexta-feira, 27 de agosto de 2010

O Paradoxo da Classe C: Onde ela está?



O Paradoxo da Classe C: Onde ela está?

Desde 2008, com a divulgação de dados da Fundação Getúlio Vargas (FGV), IBGE e IPEA (Instituto de Pesquisas Econômica e Aplicada), uma nova classe, até então pouco relevante, surgiu como o pilar da economia brasileira, tornando-se a grande vedete do comércio, da consolidação da classe média e da diminuição da pobreza no Brasil. É a classe C, a nova classe média. Mas o que é a classe C? Ela é de fato classe média?

Existem algumas discordâncias para estabelecer exatamente quem pertence à classe C. Para a FGV, famílias que ganhem entre 1.115 a 4807 reais pertencem a essa camada, ou seja, a camada média na pirâmide social brasileira. Um grande problema já decorre exatamente desse intervalo tão longo de mais de quatro vezes entre os limites inferior e superior. Outro problema é a não-análise da renda per capita dessas famílias. É muito difícil acreditar que uma pessoa que viva sozinha e ganhe 4.800 reais pertença à mesma classe social de uma família com cinco pessoas com rendimentos de 1.200 reais. Não seria o critério da renda per capita mais interessante e real?

Já para o IBGE, a classificação mais usual é a de que a Classe C se situe entre famílias com rendimento entre 3 a 10 salários mínimos. Mais uma vez, uma metodologia pouco esclarecedora e equivocada. Três salários mínimos são 1530 reais, 10 salários mínimos são 5100 reais. O triplo de diferença. Além disso, mais uma vez, é irreal pensar que uma família de cinco pessoas que tenha renda mensal de 1600 reais pertença à mesma classe de uma composta por um casal, por exemplo, com ganhos de cinco mil reais.

Dessa forma, podemos concluir, a priori, uma conceituação muito confusa do que seja a nova classe média brasileira. Claro que, quando se fala em classes sociais, há os intervalos máximos e mínimos, mas esses intervalos devem estabelecer as necessidades mínimas que caracterizem certa classe social, o que não ocorre com nenhum dos dois critérios;

Em primeiro lugar, devemos pensar o que é a classe média? Para o senso comum e para os principais institutos de pesquisa, classe média é a faixa da população que se situa entre a elite e a pobreza, por isso média. Para isso, contudo, os indivíduos desse segmento social devem apresentar algumas semelhanças: ter dinheiro para prover a alimentação de todos do lar, casa, vestuário, transporte, lazer. É justamente esses fatores, dentre outros, que separam a classe média da pobreza.

Em segundo lugar, há a necessidade de se pensar no custo de vida médio do país e talvez até por regiões, quando são estabelecidos os intervalos de classificação. Nesse contexto, que entra uma grande contradição entre os diferentes institutos de pesquisa. Para o DIEESE, que analisa o custo de vida nas principais cidades brasileiras, para uma família de quatro pessoas, manter-se minimamente com todos os preceitos mínimos do que seria o limite inferior da classe média, o rendimento deveria se situar na faixa dos 2.000 reais.

Em conseqüência do segundo problema, temos a divergência do que os principais institutos de pesquisa consideram classe média e o custo de vida real para pertencer à classe media. Pelo menos, acharíamos estranho, dentro desse contexto, acreditar que uma família de quatro pesssoas que ganhe menos de 2.000 reais pertença à classe média. Erro maior ainda é colocar dentro da mesma categoria pessoas que vivem com mais de duas vezes o necessário e pessoas que sobrevivem com quase a metade do necessário. O único contra-argumento plausível seria por em xeque a credibilidade do Dieese ao se analisar o mínimo necessário. Para isso, no entanto, precisaríamos de outras fontes que calculassem esse valor e como carecemos delas, até podemos questionar esses valores, mas não usar como referência outros institutos. Se não usarmos esse parâmetro, então utilizaremos qual?

Partindo dessa remuneração mínima, seria interessante agora nos perguntamos qual a parcela da classe C que se situa na faixa dos 1.200 aos 2.000 reais? Segundo o governo, pegando como referência a FGV, mais da metade dos brasileiros fazem parte da classe C. Mas nada mencionam sobre os que fazem parte da classe C cujos rendimentos familiares estejam entre 1.200 a 2.000 reais.

Um outro problema ao se falar da ascensão de pessoas das classes D e E (as categorias mais baixas da pirâmide social) ocorre quando inserimos outros dados na análise. A concentração de renda no Brasil, embora tenha caído, segundo as principais entidades de pesquisas e indicadores, ainda permanece muito alta. Ademais, a queda foi discreta. E mais, o Brasil permanece, segundo a ONU, como um dos países mais desiguais do mundo. Segundo as Nações Unidas, a diferença entre os 10% mais ricos e os 10% mais pobres no Brasil é a quinta maior do mundo, empatando com o Equador e ficando a frente somente de países como Bolívia, Madagáscar, Tailândia, Haiti e Camarões. Ora, se houve real ascensão da camada mais baixa da população para a classe C, como os indicadores de disparidades sociais caíram tão pouco?

Não seria mais interessante pensar que houve um aumento real de salário de uma maneira geral dos brasileiros e não de ascensão social? Por exemplo, com relativa estabilidade financeira, ajudas sociais do governo e maior oferta de crédito, a grande massa da classe D passou a ser considerada classe C. Quem antes tinha rendimento mensal de 800 reais, passou a ter rendimento mensal de 1.200 reais, por exemplo. Mas será que a vida delas de fato melhorou ou esse aumento de salário acompanhou o aumento da inflação? Qual ganho real teve essa pessoa cujo rendimento passou de 800 para 1.200? Além disso, o poder de compra dela de fato aumentou ou ficou facilitado por empréstimos, cartões de crédito e parcelas a perder de vista? É difícil pensar numa ascensão tão brutal das classes mais baixas para a classe C, sendo que a distribuição de renda brasileira não sofreu muita alteração. Como isso se deu então? E se houve uma melhoria no Brasil por que o país despencou dez posições no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) divulgado anualmente pela ONU? É verdade que o IDH brasileiro melhorou, mas menos que a média mundial, o que fez com que o país perdesse algumas posições. Mas se houve grande ascensão social, se a classe média agora é majoritária no país, então algumas dessas pesquisas ou mais de uma está bastante equivocada. Todos os dados, quando comparados, entram em paradoxo e criam conflitos. Onde está a classe C?

sábado, 5 de junho de 2010

Seção Poesia

Escavei-me até me singularizar
E nas obscuridades quase nunca reveladas
É essência!
Capaz multifacetadas não mostrarão
É pseudosocialização
É sensibilidade hipócrita, torta
De tanto afinco em tê-la, quase morta
De tanto desprazer em tê-la
Você, vocês infelizes
Abra o sorriso numa boa ação
Enrubesça de raiva na injustiça
É virtude, é humano, é pluralidade
É atestado de sanidade!
Escava-te não
É corrida na contra mão
É insanidade, desumano, singular
Pluralmente feliz
Singularmente infeliz
Pseudopluramente feliz
Singular em essência?
Alguém já quis?
Escavai-me demais
Isso há um tempo atrás
Singularizei-me pluralmente
Tornei-me essência
Mas fechei
Vieram caminhões com muita terra
Hermeticamente fecharam
O buraco escavado
Singularize-me e voltei
Agora eu, você e vocês
INFELIZES!

quinta-feira, 3 de junho de 2010

No Fashion Rio

- Evy, dá para você me filmar direito! – gritava Estefany agoniada. – Eu tô bonita, migo? A maquiagem tá boa?

Everaldo mal se agüentava atrás das câmeras. Apesar da grande amizade que tinha por Estefany, aquela situação não estava sendo nada favorável a ele. Depois de um cursinho de Moda, que já havia terminado há um ano, Everaldo tentava sem sucesso um emprego no ramo. Mas nunca tinha conseguido uma festa vip, um convite para qualquer desfile. Nada! “Isso tudo porque eu sou pobre, lamentava”. O ego, ou talvez pseudoego do rapaz de 20 anos, no entanto, logo retrucava “Posso ser pobre, mas tenho estilo. Sou puro glam.”

Naquele momento, o aspirante a estilista, estava ali. Atrás do foco, por trás dos bastidores. E a estrela não era ele. Sua amiga, Estefany estava no ápice egocêntrico de um ser humano. Mas o ápice, paradoxalmente, sempre poderia ser mais ápice. De maneira bem pobre e inversamente: o fundo do poço sempre pode ser mais fundo, logo o ápice egocêntrico sempre pode ser mais alto. A disputa ali era boa. Uma espécie de guerra fria. Ambos querendo aparecer mais que o outro. E, apesar da longa amizade, quase fraterna, naquele momento eles eram rivais: a briga para aparecer na frente das câmeras e não atrás.

Mergulhado em seus planos e pretensões, Everaldo se esqueceu da amiga. Estava quase em um transe hipnótico vislumbrando o momento em que todos os flashes seriam para ele e, com a cara mais blasé do mundo, metodicamente pré-ensaiada no espelho de casa, o rapaz falaria algo do tipo: “Não ligo para a fama.” Pronto. O personagem seria construído.

- Everaldo Gotardo! – implicava Estefany. – Você não percebeu que eu já acabei de falar? Vai ficar aí me filmando ainda? – e continuava – Tá pensando em que?

Por um momento, as divagações simplistas daquela mente juvenil haviam feito o rapaz se esquecer daquele vídeo tão importante. Ainda que ele estivesse por trás, aquela filmagem poderia ser um passaporte para ele: os dois estavam concorrendo a uma promoção da FM o dia. O ganhador teria direito a um convite duplo para assistir ao Fashion Rio. E mais: direito ao assento na fila A em um dos desfiles da marca mais famosa do momento. Pronto! Era meio caminho para o luxo! E nesse barco, o ego dos dois era complementar. Era quase altruísta. Porque um dependia do outro. Logo, Everaldo queria que Estefany saísse linda, que a maquiagem estivesse ótima e que o vídeo fosse um sucesso.

- Pena que a gente não pode postar no Youtube ainda! – lamentava Estefany. – Eu acho que ficou ótimo! E você, amigo?

- Ficou divino! Achei superdigno! – falava Everaldo ainda meio nauseado daquele transe fugaz rumo ao estrelato.

- Eu tô parecendo alta? Tô magra? Você acha que o que eu falei vai agradar as pessoas? – e não cessavam as perguntas de Estefany.

Everaldo somente acenava que sim com a cabeça. Naquele momento, ele estava em outra. Já fazia planos e pensava na maneira de se comportar quando estivesse na Fila A diante de muitas celebridades. Mas faltava, é claro, ganhar a promoção.

- Vamos para casa agora? – dizia Estefany. – Longo caminho! Ai, não agüento mais morar tão longe. Essa vida de pegar trem não é para mim! Eu sou alta, tenho 1,70, é uma altura boa para mulher, né Evy? – e emendava sem deixar o rapaz responder. – E no mais, com meu salto eu fico com 1.80. Por que será que ainda nenhum caça-talentos me encontrou? Acho que temos que voltar mais aqui ao Leblon, Evy!

Depois de um dia perdido com uma filmagem de menos de cinco minutos no Mirante do Leblon, Estefany e Everaldo iriam se preparar agora para uma longa jornada até São João de Meriti. Geralmente pegavam o metrô até a Pavuna e depois um ônibus. Mas ela ainda queria passar no shopping para comprar roupas. E, por isso, era mais fácil pegar o trem, embora fosse menos glamouroso.

- Se a gente ganhar a promoção, Evy, não vamos falar que moramos em São João de Meriti lá no Fashion Rio não!

- Claro que não, né, amiga! – o pessoal nos olharia completamente torto. – A gente fala que mora no Rio, afinal a Pavuna fica pertinho da nossa casa. – Muito mais status! – Everaldo já havia voltado do transe e falava agora com um certo entusiasmo.

- É, mas morar na Pavuna também não é grandes coisas, né? A gente pode inventar uma historinha, amigo! – e parou um tempo para pensar. – Porque eu não quero ir naquele quadro do Faustão quando eu ficar famosa e ter que ouvir dele: “Estefany, garota pobre que venceu na vida.” Isso soa clichê demais, né? Mesmo porque eu já faço faculdade e você tem o seu cursinho de Moda. – e emendou – Não! Definitivamente não! Vamos falar que moramos em uma casa confortável na Pavuna e que adoramos morar aqui!

Finalmente, houve um longo período de silêncio. O ego de ambos agora estava milimetricamente diminuindo. Parecia ensaio. Pouco a pouco. Bem paulatinamente. Quanto mais longe do Leblon, quanto mais próximo de casa, a vaidade ia se esvaindo. O processo, contudo, começou a se inverter assim que eles pegaram o trem. Principalmente Estefany.

- Evy! – sussurava a garota. – Aquela senhora tá olhando para mim! Você a conhece?

- Acho que não! – e o rapaz analisava melhor aquela senhora de óculos. – Mas é para você ou para mim?

- Claro que é para mim! – Estefany se invocou. – Quantos vídeos você tem no Youtube? Eu tenho mais de 40. E já foram mais de 200 visitas. Aposto que ela me reconheceu!

- Mas eu também tenho vários vídeos no Youtube! E no mais, se não fosse por mim você não teria vídeo nenhum! Eu que comprei a câmera! Não seja esnobe e mal agradecida!

A garota ignorou a última fala do amigo. A senhora se aproximava cada vez mais. E ambos não a reconheciam. Seria uma fã dos dois? A agitação bateu forte. O ego, agora sorrateiramente, inflou. Dos dois. Para quem seria o olhar daquela idosa?

- Estefany! – gritou a senhora. – Quanto tempo! Que saudades em reencontrá-la! – falava empolgada Dona Úrsula.

- Ah.. ah! – quase que em tom de velório Estefany mal conseguia responder. “Que lamento”. – Mas é você Dona Úrsula?

- Ai, querida! – ria a velha, com um sorriso simpático. – Eu pintei meus cabelos e agora estou usando óculos para vista cansada. – E faz tanto tempo que não nos víamos, né! Eu sei que estou quase irreconhecível! – e a empolgação continuava. – Como está a sua mãe? E você? Também está tão mudada! Cresceu, ficou alta... eu mal te reconheci!

- Mal me reconheceu? – disse Estefany em tom fúnebre. – Ah tá! A senhora está bem?

Everaldo se controlava para não soltar uma gargalhada que chamaria a atenção de todo o trem. Era visível a decepção da garota. “Ela pensando que seria reconhecia por causa de alguns vídeos no Youtube.” E controlava para não rir.
Em um rompante de esperança, Estefany tentou lançar a última cartada:

- Mas se estou tão diferente assim, como a senhora me reconheceu? Por acaso você viu algum vídeo meu no Youtube?

-´Como?? – não entendia a senhora!

- No YOU-TUBE! – repetia vagarosamente a garota.

- O que é isso, minha querida? Não tô entendendo!

- Aquele site da internet que hospedava vídeos! – e a esperança estava novamente indo embora.

- Ah minha filha! – pôs-se rir Dona Úrsula. – Eu nem mexo na Internet. Para mim isso é grego. É coisa para jovens, né? – riu sozinha. – Eu reparei bem, e me perdoe, mas o seu quadril largo não muda. Acho lindo. E depois essa pinta aí acima do umbigo é única. – e emendou. – Aliás, com tanto decote, não está com frio, querida?

- Não tô não! – Estefany estava quase mirando a jugular de Dona Úrsula.

***

À noite, antes de dormir, aquele encontro ainda martelava na cabeça de Estefany.

- Você acha que eu tenho o quadril largo, Everaldo?

- Não, não, está ótimo! – e o rapaz segurava para não dar um risinho.

- Mas você acha que eu posso ser modelo com esse corpo?
- Claro, claro! – e se segurava para não rir. Você está ótima. – a hipocrisia reinava.

“Coitado do Everaldo, a beleza não compareceu na sua estética’, pensava Estefany.

- Bem, vamos dormir que amanhã já sai o resultado da promoção! E eu já até comprei as roupas caso eu vença. Estou preparada. Beijos, Evy!

***

Estefanie e Everaldo aguardavam ansiosamente. Eram quatro horas da tarde e a promoção da FM o Dia seria divulgada em breve. Os dois mal se continham. Desejo, esperança, fama, riqueza, sucesso, tudo amalgamado, embaralhado, mixado, no final, tudo se resumia ao ego mesmo. Os dois já faziam planos para o Fashion Rio. O único medo de Everaldo era a roupa. Naquele mês não havia sobrado nenhuma grana para comprar roupa. E justamente quando ele mais precisava. Não dava para parcelas nem na C&A. Mas ele também não queria. Preferia ir com a camisa da Osklen já um pouco surrada. Mas era Osklen, né? O glamour máximo daquela mente regional.
O locutor fazia suspense. A hora se aproximava. “E o ganhador é...vamos aos intervalos e divulgaremos no próximo bloco.”

- Assim, vou ter um ataque do coração! – berrava Estefany.
- Eu também, eu também! Será que temos chance?

“E o ganhador da promoção é Estefany Pereira da Silva. Foi o vídeo mais legal que a nossa produção recebeu. Daqui a pouco estaremos entrando em contato com a ouvinte que vai assistir a um desfile no Fashion Rio na fila A e com direito a um acompanhante. Parabéns!”

Os dois se entreolharam. Mal podiam acreditar no que tinham acabado de ouvir. Todo o afã em ver o Fashion Rio, as modelos, as celebridades estava agora realizado. E, embora pudesse parecer fútil para alguns, aquele sentimento era bem legítimo, bem transparente, bem sincero. Sonhos são questionáveis e separados na categoria de fútil e não fútil? Querer ganhar na loto é fútil? Querer se tornar grande é fútil? Famoso? Celebridade? Reconhecido? Colocar seu nome na história? Perpetuar seu nome, mesmo após anos e anos de morto! É fútil? O que é fútil? O que não é? Filosofia barata? Sonhar não é a maneira mais humana de se integrar ao mundo?

***

- Estefany! – falava o produtor do programa do outro lado da linha. – Preciso que você me fala o nome completo de quem vai com você assistir ao desfile.

A garota estava hesitante. Pensou, pensou:

- É... é... Eve.. quer dizer... – e num relance, como se tivesse criado coragem para falar disse: - Josicleide Souza dos Santos.

- Como? – berrou Everaldo com Estefany. – Eu entendi direito? – e falava num tom muito nervoso.

A garota totalmente sem graça tentou argumentar algo com Everaldo. Foi em vão. O rapaz já havia pegado o telefone das mãos de Estefany.

- Escuta aqui, meu senhor... – e gaguejava de nervosismo. – Quem fez o vídeo dela fui eu! Eu que vou com ela ao Fashion Rio!

- Lamento lhe informar, mas quem se inscreveu na promoção e os dados são dela. Ela tem o direito de escolher quem ela quiser!

- Mas eu que fiz o vídeo! – repetiu Everaldo. – E ela me prometeu que, caso ganhasse, eu seria o convidado.

- Meu senhor, isso não está nas regras do concurso. - e ratificou. – A vencedora é ela. Ela quem decide. Infelizmente não posso fazer nada. O nome da amiga dela já está aqui anotado. E desligou.

Diante da reação de Everaldo, Estefany estava agora chorando copiosamente. Ela havia agido como uma verdadeira vilã de novela mexicana. E o pior bem na frente do amigo. Não era apunhalada nas costas não, era no coração mesmo. De frente. Ao melhor estilo: sou má e não engano, te fiz de babaca.

- Por que você fez isso? – vociferava Everaldo, sacudindo a garota em prantos. – Por quê?

- Você... – e soluçava a garota sem conseguir terminar uma palavra. Semi-afônica. – Você... é... você não tem roupa bonita para ir!

- Como é que é? – berrou e berrou Everaldo.

Por fim, entrou no banheiro e bateu a porta. Estefany só fez chorar.

***

O grande dia tinha chegado para Estefany,para Everaldo era uma dupla decepção: a traição da amiga e não poder ir. Aquela traição, colocou a amizade dos dois em xeque. O rapaz já estava pronto para sair daquele apartamento alugado pelos dois. Ele iria procurar um menor. Não toleraria ficar com uma pessoa que, de maneira tão egoísta, fútil e egocêntrica, tinha praticamente aniquilado o sonho do rapaz.

- Mas por que a Josicleide? – pergunta ainda inconformado o garoto. Por quê?

- Não me faça sofrer, Evy! – Eu tenho que ficar bonita para hoje. Não vê que é a
realização do meu sonho?

- Você ainda tem coragem de me chamar de Evy? Não tem vergonha nessa sua cara de cavalo? E esse seu quadril largo? Você acha que vai arrasar nesse seu jeans skinny? Ta parecendo uma tanajura.

- Você pode me humilhar, Everaldo! Eu sei que você está magoado comigo. Eu entendo isso, mas eu tenho que pensar em mim primeiro. A Josicleide mora na Tijuca e tem roupas bonitas.

- Pera aí, você ta me trocando por uma garota que você mal conhece por que ela mora na Tijuca e tem roupas bonitas? A nossa amizade vale isso?

- Evy, não é isso! – e lamentava a garota – Você parece que não entende. Com ela, eu ganho mais visibilidade, tenho mais chances. E se eu conseguir algo, pode ter certeza que a primeira pessoa que eu ajudarei é você. Eu estou fazendo isso de coração. Eu prometo que assim que eu ganhar algum dinheiro como modelo, sairemos daqui e alugaremos um apartamento maior, em um outro lugar.

- Só não te dou um soco na cara porque não quero ser preso por agressão a mulher! Já estou enganado das suas atitudes egoístas sendo sempre justificadas por “eu vou te ajudar no futuro”, “faço isso pela gente”. Você também me prometeu que eu seria seu convidado para o Fashion Rio e quem você chamou? Você não honra as suas palavras. – e continuou tomando um pouco de ar. – Pode arranjar outra pessoa para dividir o apartamento porque eu saio daqui essa semana ainda.

Mas Estefany já estava praticamente pronta. E tinha que estar impecável. Ainda que o blush não fosse Lancôme, a roupa não fosse Osklen. Mas, pelo menos, ela tinha que disfarçar que era pobre. Já havia combinado com Josicleide. As duas dividiam um apartamento na Tijuca.

***

Para lá e para cá, completamente deslumbrada e ofegante, Estefany zanzava pelo Fashion Rio com a recém “best friend” Josicleide. Uma mão lava a outra, né? Josicleide achava Estefany breguíssima, mas não podia recusar o convite de um desfile concorrido na fila A. E ainda que pudesse se queimar, era melhor aceitar a mentirinha de que as duas moravam juntas na Tijuca. “Dos males o menor. Pelo menos vou assistir aos desfiles”, pensou Josi.

- Olha! – berrou Estefany. – É aquela atriz! É ela! – ofegante Estefany foi atrás quase que reverenciando uma Deusa.

- Tira uma foto, comigo? – e completou. – Admiro o seu trabalho. Vejo sempre você na TV! Você é linda!

A famosa atriz apenas respondeu com um lacônico obrigado. E tirou a foto com Estefany. A garota não se deixou abalar, pelo contrário ficou ainda mais atônita.

- Quanto glamour, né Josicleide? Quanta gente famosa, bonita! Espero que me notem também. Afinal de contas eu acho que não deixo a dever a essas famosas não. Eu também sou muito bonita, né?

Josicleide estava ali graças a Estefany. E seria deselegante contrariá-la. Estefany, para Josicleide, vestia-se de maneira cafona. Na verdade, a tijucana estava morrendo de vergonha da garota. “Calça skinny com esse quadril largo de tanajura. Que suburbana!”, riu sozinha.

- Amiga, já já vamos entrar na fila A. Já treinou a cara de blasé no espelho? Provavelmente vão pedir até para tirar foto com a gente. E eu estou um arraso, né?

Dessa vez, Josicleide não agüentou e deu uma leve risada que foi percebida pela garota.

- O que foi? Você acha que estou feia?

- Jamais! – com toda falsidade do mundo. – Você está deslumbrante. – Apenas estava rindo porque estou feliz de estar aqui!

- Ah que bom amiga! – e um leve sentimento de remorso bateu em Estefany. “Mas eu não poderia trazê-lo. Ele é cafona demais.”

Quando as duas entraram, uma leve decepção invadiu a além-carioca. A sala, onde seria realizado o desfile, não era tão glamourosa quanto parecia ser pelas fotos e pelos vídeos que havia visto. E ademais, a fila A, apesar de ser a primeira, não era nada de tão especial. Não tinha cadeiras especiais, não recebia champanhe ou um tratamento diferenciado. A decepção, no entanto, foi tão fugaz quanto o remorso por não ter chamado Everaldo. Logo, logo, a primeira fila de encheu de celebridade e os flashes começaram. Agora ela tinha que chamar atenção de alguma forma. Ela lutou por estar ali. Horas e horas de vídeo. Maquiagem, roupa, produção. E um texto, diga-se de passagem, bem competente falando o porquê de ela merecer estar no Fashion Rio. Não se podia negar um certo talento que ela tinha para escrita. Principalmente quando um assunto a empolgava demais.

- Ali, Josicleide! – Ali! – berrou. É o chefão daquela agência de modelos famosa. Minha chance. Vou falar com ele! – e correu atrás do senhor de meia-idade.

- Oi! – falava Estefany toda exibida e interrompendo uma conversa que ele estava tendo com um jornalista. A garota foi ignorada.

“Hmmm ele não escutou”

- Oi! – dessa vez ainda mais alto. – Posso falar com o senhor?

O homem interrompeu a entrevista que estava dando para atender a garota.

- Sim? Você é de qual jornal? – perguntou o senhor.

- Na verdade de jornal nenhum. – e continuou empolgada. – Vim aqui conversar com você porque quero muito ser modelo. Já fiz alguns cursos de postura e passarela e todos foram unânimes em falar que eu deveria tentar!

O homem a examinou com a maior cara de bunda do mundo. Nem adianta explicar detalhadamente, mas uma palavra resume bem: inefável a cara que ele a olhou. Por fim, foi curto e direito:

- Não dá! – e virou para continuar a entrevista com o jornalista.

- Mas como não dá? – perguntou Estefany em choque

Sua pergunta foi em vão. O dono da agência já havia se virado para continuar a entrevista.

Encabulada, desapontada, afônica, a garota estava em choque. Nem havia percebido o risinho debochado de Josicleide. Já não fazia muito mais sentido estar ali. A Fila A se transformou em um ícone de tristeza. Os seus sonhos, todos construídos de maneira árdua, enfim haviam terminado.

- Estefany! – e deleitava-se Josicleide, mas disfarçando bem. – É apenas a opinião de uma pessoa. Você já não viu na televisão que mesmo as modelos famosas já receberam vários “nãos” um dia? Vai desistir tão fácil?

Apesar de falsa, aquela fala de Josicleide tinha retomado a esperança da aspirante à modelo. O que a tijucana queria, no entanto, era cruel: ver Estefany sendo alvo de chacota e fruir com isso. Maldade mesmo! Moral da vida? Velho clichê? Quem com ferro fere será ferido? Estefany feriu Everaldo. Ela estava sendo ferida agora? Isso soa por demais simplista, clichê e propositalmente redundante como lugar-comum. Mas era esse lugar-comum que de comum era tão explícito que, paradoxalmente, Estefany parecia cega: ela não tinha a menor possibilidade de ser modelo.
Os nãos um atrás do outro só foram esquecidos quando Estefany se espantou com a presença de Everaldo. Sim, ele estava ali. Como?

- Hã?? – se espantou Estefany.

- Pois é, querida! Fui à luta! – e falava orgulhoso como se tivesse acabado de conquistar um troféu. – Entrei numa Lan House e consegui convite numa promoção do Twitter.

- Mas você está com uma roupa muito feia! – se espantou.

- Feia? Isso daqui eu customizei. Fiz um trabalho artesanal ontem e guardei. Tiraram foto minha, fiz contatos e parece que eu vou conseguir trabalhar como assistente de produção de uma figurinha bem famosa. E você?

Estefany se sentiu mal. Amparada por Josicleide a moça foi aos poucos perdendo os sentidos. De repente, todo o sonho da garota tinha se concretizado. Os flashes se voltaram para ela. Várias fotos e alguma confusão em torno da garota. Mas ela estava sem vida naquele momento para poder brilhar. Não tinha glamour aquelas fotos, não tinha maquiagem, sorrisos, ostentações. Era apenas uma garota desmaiada.

- Acho que a pressão dela caiu! – disse Josicleide nervosa, mas muito feliz com a atenção que estava recebendo. – Ela sofreu muita decepção hoje.

Não demorou muito e a garota retomou os sentidos. Depois disso, quase todos se afastaram. Alguns poucos foram perguntar se ela estava se sentindo melhor. Passados cinco minutos, lá estava ela no Píer Mauá. Novamente anônima. E sem vontade nenhuma de estar mais ali. O show havia terminado. Era hora de pegar o metro e depois um ônibus para casa.

***

- Você não vai acreditar, Everaldo!

- O que?

- Vem aqui – e ela berrava na Lan House de modo que todos a ouviram. Saí em dois jornais. Olha esse: “Fashionista desmaia na porta do desfile”. E com uma foto minha!

- Nossa, que bom! – disse o garoto em tom irônico. – Mas você não conseguiu que alguém te agenciasse, né?

- Não! – e uma leve decepção tomou conta da garota. – Mas minha foto, com meu nome está aqui em dois jornais.

- Pois é! Mas eu vou trabalhar de assistente de um nome da moda! Que pena! – e continuou o deboche. – Isso porque eu não tinha roupa e era cafona, né? Morra de inveja, amiga!

Mas a garota não se deixou abater. A divulgação de seu nome na Internet já tinha feito a alegria da garota. Mas alegria fugaz, mais uma vez. Os comentários dos internautas do acontecimento foram deixando Estefany cada vez mais cabisbaixa. “Mas que garota sem noção”, “pobre quando vai em envento que tem muita celebridade passa vexame”, “mas que roupa sem noção da garota é essa?”, “que garota feia”. Era uma chuva de comentários pejorativos. E a moderação parecia não se importar em censurar a opinião dos leitores. Por fim, Estefany foi se achando a mais ridícula de todas. Uma lágrima sutil escorreu do canto do seu olho esquerdo. E foi só. Saiu dali e voltou para casa. Agora era voltar a rotina.

***

À noite, já prestes a dormir, Estefany foi pedir desculpas a Everaldo.

- Sabe, eu realmente não agi certo com você! Fui totalmente egoísta e egocêntrica. – lamentava a garota. – E não falo isso porque você conseguiu se dar melhor lá não. Falo isso porque os dias têm sido muito confusos para mim e eu aprendi bastante. Não queria que a nossa amizade terminasse por essa atitude errada que eu tive!

- Olha Estefany... – e Everaldo olhou bem nos olhos da garota. – Eu queria te confessar que eu também menti. Não consegui contato nenhum ali e nem tiraram uma foto minha. Falei aquilo porque estava morrendo de raiva de você. Bom, voltamos à estaca zero, né?

E os dois se abraçaram e riram.

- Estaca zero? – pensou Estefany. – Hmmm até pode ser, mas as inscrições para o BBB começam semana que vem! Vamos caprichar no vídeo?

- Não vai vacilar comigo dessa vez? Olha a nossa amizade!

- Não, não! – falou convictamente. – Aprendi muito! – e animou-se. – Se aquele garoto do Youtube que fala “adoron”, se os gays da barraca de Aruba, se a Tessália e o Serginho fizeram a fama na Internet e, principalmente, se a Geisy fez a fama com um vestidinho rosa, por que nós não podemos ser famosos? Dá próxima vez, saio com a genitália desnuda! – e riu

- Aí você vai ser presa!

- Que nada, beeee! A gente fala que fomos a uma praia de nudismo e deixamos a nossa roupa em um lugar e quando voltamos, elas tinham sido roubadas!

Os dois riram como se nada tivesse acontecido.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

O Desastre em Niterói





Vilões e Mocinhos do Capitalismo


Vivemos no Capitalismo e esse modo de produção pressupõe algumas mazelas constantemente esquecidas ou negligenciadas por todos nós. Há de se ressaltar alguns preceitos inerentes ao capitalismo: relação proletariado (que não detém o capital) versus burguês (dono do capital). O sistema é assim; feito de contrastes e diferenças. Não, esse não é um discurso marxista, mas empirista de quem convive com o capitalismo no dia-a-dia e de quem reflete sobre ele. A ascensão social preconizada pelos defensores do sistema é limitada, pois se todos se tornassem donos do capital a relação proletariado x detentor do capital desmanchar-se-ia e, consequentemente, o capitalismo. Será que haveria de fato espaço para a ascensão social irrestrita de todos nesse sistema?

Considerando os pressupostos básicos, avançamos para as conseqüências: as diferenças. E, em um sistema em que o capital é o ápice de todo o funcionamento, a dispare mais evidente ocorre entre os que possuem o capital e os que não possuem. É difícil enxergar essa relação tão maniqueísta, ainda mais quando levamos em consideração as complexidades relacionais do capitalismo vigente. Não se trata mais das fases incipientes do sistema: donos de indústria e empregados da indústria. Nessa relação incipiente ficava claro a diferença e o antagonismo de duas classes sociais distintas, mas e agora?

O capitalismo se modernizou, tornou-se muito mais complexo e os papéis desempenhados por nós também. Se outrora a mobilidade social era menos percebida e os papéis bem separados, atualmente os relacionamentos são embaralhados. Em outras palavras, somos rotineiramente donos e não donos do capital. Ao trabalhar em uma empresa privada e receber dela uma remuneração mensal, somos os proletariados, mas, concomitantemente, somos os capitalistas quando chegamos a nossas casas e temos uma empregada: nós temos o capital, ela o trabalho. E existem, em uma escala hierárquica, um sem-fim dessas novas relações contemporâneas capitalistas. O chefe > o diretor geral > o vice-diretor geral > o diretor do departamento x > o vice-diretor do departamento x > os empregados instruídos > os empregados não instruídos, etc. Isso apenas para sintetizar de modo extremamente simplista os graus hierárquicos dentro de uma empresa. No cotidiano, por exemplo, nada impede que mesmo a rabeira hierárquica, no nosso exemplo os empregados não instruídos, desempenhem o papel de donos do capital. Para efeito de ilustração, se eles contratam alguns serviços, tais como diarista, empregada, taxistas, ou seja, qualquer atividade em que eles são provedores de capital, então os empregados não instruídos, nesses casos, sairão da condição de proletariados para se tornarem os burgueses.

Como a relação atual é muito mais complexa, fica cada vez mais difícil distinguir a dicotomia: proletariado x burguês. E se falarmos nesse assunto, corremos o risco de sermos tachados de antiquados, simplistas e marxistas fanáticos. Muitos irão se perguntar se de fato existe essa dicotomia. Pode uma dicotomia amalgamar-se? Sim, claro que pode, pois essa mistura é exclusivamente fruto do incremento capitalista e não gera mudança na essência das relações desse sistema: sempre alguém ou algo (no caso de uma empresa) detém o capital versus alguém ou algo que não detém o capital. O incremento capitalista, contudo, esconde e, muitas vezes, forja essa relação dicotômica. E mais ainda, ridiculariza quem trata o sistema de forma maniqueísta; vilões e mocinhos. O problema agora é que em maior ou menor grau todos são vilões e mocinhos concomitantemente.

Na prática, entretanto, nós não nos vemos dessa forma. Não adianta recebermos 510 reais por mês e termos um desempregado que presta “bicos” para nós e em troca pagamos 30, 40 reais a ele. Nós não nos veríamos donos de capital, pelo menos não o senso comum. Nós nos veríamos como pobres ajudando outros ainda mais pobres. Da mesma forma, um vice-diretor de uma grande empresa que ganha 30 mil reais mensais não se veria como proletariado diante do diretor que ganha 60 mil, mas como um assistente. Depreende-se daí que, grosso modo, o sistema capitalista contemporâneo ignora os meandros filosóficos das relações proletariado versus burguês. Na prática, quem tem muito capital será sempre o burguês, quem tem pouco capital será sempre o proletariado. Como vimos, no entanto, isso não é bem assim. Essa nova acepção esconde ainda mais os pressupostos filosóficos capitalistas. E, nesse âmbito, os vice-diretores que ganham 30 mil e os diretores que ganham 60 mil são os vilões, os assalariados que ganham 510 reais são os mocinhos. Qual o alento para os proletariados? Acender socialmente. Passar de 510 reais para 1.020, 1530 e assim sucessivamente. E isso pode acontecer? Sim, pode, mas o que o senso comum não entende é a exceção do caso, comumentemente, transformada em regra. E por que exceção? Aí, voltemos para o parágrafo dois do texto para entendermos o porquê de casos de ascensão social no capitalismo serem exceções e não regras.

Muitos devem estar se perguntando o que isso tem a ver com os desastres ocorridos recentemente em Niterói. A conexão que gostaria de fazer é justamente esta: vilões e mocinhos dentro do sistema capitalista. Os moradores do Morro do Bumba, assim como qualquer morador de área de risco ou ainda qualquer pessoa que possua menor recurso financeiro, compactuam, conscientemente ou não, com todos os pressupostos capitalistas aqui apresentados. Se não compactuassem, protestariam contra o sistema. Não participariam dele. Lutariam da mesma forma que os burgueses lutaram na Revolução Francesa. Mas existe consciência e mais existe coragem? A consciência de viverem em um sistema capitalista é constantemente forjada pela ideologia do status quo: mobilidade social, quanto mais trabalhar, mais receberei, etc. E mais, quantos deles se sentem de fato privilegiados ao verem um mendigo na rua? Quantos deles percebem que, para além de mocinhos, também são vilões do sistema (a maioria sabia que o Morro do Bumba era outrora um lixão)? Também são exploradores? Dada as devidas proporções, obviamente.

Falemos agora dos “vilões tradicionais”, que no caso são o prefeito, Jorge Roberto Silveira, os secretários de planejamento, habitação, etc. Estariam eles preocupados em fazer o papel de administradores que, antes de mais nada, devem zelar por moradia decente e digna para os moradores de suas cidades? Mas esses vilões seriam de fato apenas vilões visto que os moradores do Morro do Bumba sabiam em maior ou menor grau os riscos que corriam? Até que ponto o prefeito teria coragem de remover os moradores das áreas de riscos? Mais ainda, até que ponto, em uma cidade onde as áreas nobres estão cada vez mais valorizadas, esses moradores poderiam morar? Eles detêm pouco capital e isso, todos nós sabemos, é fator determinante para inclusão ou exclusão dentro do sistema. Mas e se eles tivessem consciência disso, se eles tivessem consciência de todos os meandros filosóficos das relações capitalistas, estariam eles fadados à ignorância e à pobreza ou partiriam para uma revolução? Isso, obviamente, transcende os moradores do Bumba e as tragédias ocorridas em Niterói. O que se evidenciou nessa tragédia é, a priori, um problema do capitalismo, um problema da relação proletariado versus burguês, um problema filosófico do sistema cujas alternativas, tanto dos moradores quanto das autoridades, passam muito longe da real solução do problema.

A mídia coloca cada vez mais pressão para que se achem culpados. Mas existem unissonicamente vilões e mocinhos dentro do sistema capitalista ou esses papéis são constantemente trocados? Falar de remoção para áreas que não sejam de risco, ajudas financeiras, déficit habitacional e necessidade de mais casas populares é ser extremamente superficial. É tampar a origem do problema, que é filosófica e discutir conseqüências filosóficas do sistema: desigualdade, pobres e ricos. Por que os pobres merecem sempre migalhas? Ou será que as pessoas da mídia, caso tivessem suas casas em área de risco, iriam se contentar em mudar para locais com problemas de infra-estrutura e longe dos principais centros? Será que iriam gostar de viver em uma casa de 50m²? Por isso, esse debate, em que se deixa de lado a filosofia básica em que estamos imersos é praticamente inócuo. E, infelizmente, não só a mídia, mas a maior parte das pessoas se concentra nessa esfera.

E os mocinhos tradicionais, os excluídos do sistema. Por que eles se contentam com tão pouco? Por que eles não percebem a condição deles de explorados, mas também de vilões ao aceitarem fazer parte, repetindo novamente, conscientemente ou não desse sistema? A história da sociedade é marcada pelas lutas por melhorias sociais, por necessidades básicas, por díspares menores, etc e cabe cada um de nós ter consciência de que NADA, NADA está pronto. Nós criamos a nossa história social, nós criamos o dinheiro, nós criamos a pobreza. E todos nós somos vilões e mocinhos dentro desse sistema.


sábado, 19 de dezembro de 2009

Da Água ao Vinho e do Vinho a Água em um piscar de olhos







“Minha terra tem mendigos que pedem esmolá (sic), os mendigos que pedem esmola aqui não são os mesmos que pedem esmola lá (sic)”.

Os Indicadores:


Pobreza versus riqueza: um assunto que permeia a sociedade desde que o primeiro homem clamou para si o direito à propriedade privada. Nascia, dessa forma, essa dicotomia e com ela a desigualdade social.

A ideia de pobreza historicamente passou por diversos processos de modificação e, até a contemporaneidade, não encontrou nenhuma definição uníssona do que seja. Esse fato não é surpreendente, pois definições sócio-filosóficas de conceitos tão enraizados na mente humana se tornam um campo de batalha entre economistas, filósofos, sociólogos, antropólogos e o senso comum. Praticamente todos têm as suas concepções formadas.

O conceito da desigualdade social, no entanto, que parte de um pressuposto dicotômico de comparação entre riqueza monetária versus privação monetária, parece ser menos problemática, pelo menos a priori. Desigual é tão somente o que não é igual e, no caso, da desigualdade social basta haver um critério de comparação para falarmos se há ou não desigualdade social. Obviamente, estamos falando da definição meramente formal em que não há dúvidas: se em uma sociedade existem quatro pessoas, sendo que três ganham três unidas de valor e a outra ganha quatro, então existe diferença distributiva.

Pensando em comparar diferenças, analisando-as e partindo de alguns pressupostos, que claramente podem ser refutáveis (lê-se os pressupostos e não as diferenças) houve a necessidade de criação de alguns índices. Entre os índices criados, sempre há um ponto de partida, um paradigma estabelecido: mais pessoas alfabetizadas, por exemplo, é, em grande parte dos modelos, melhor do que menos pessoas alfabetizadas. Mais importante, todavia, é atentarmos para o fato de haver disparidades locais, regionais e globais em relação a esse pressuposto, por exemplo. Apesar de acreditarmos que grande parte das pessoas de bom senso não refutaria a ideia de um país com mais alfabetizados ser menos desigual em comparação a um de menos, ainda assim, essas pessoas não poderiam negar a diferença existente. E esse díspare seria, no paradigma capitalista em que vivemos, uma causa para a desigualdade social. Tendo essas reflexões como ponto inicial, a criação de alguns índices para medir as desigualdades foram estabelecidos. Discutiremos sobre três deles: o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o Índice de Pobreza Humana (IPH) e o GINI (nome dado em homenagem ao criador, o italiano Conrado Gini).

O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), criado pelos economistas indiano Amartya Sen e paquistanês Mahbud ul Haq, procura comparar os países em três aspectos fundamentais: educação, renda e longevidade. No aspecto educação, o índice leva em conta várias vertentes, tais como: número de pessoas acima de 15 anos alfabetizadas, taxa bruta de freqüência escolar (nos diversos segmentos da educação). Um índice de pelo menos 96% da população adulta alfabetizada é considerado desejável. No campo da renda, há uma divisão entre o Produto Interno Bruto (PIB) pelo número de habitantes do país donde se obtém a renda per capita. Uma dada nação, por exemplo, que possua 100 pessoas e gere uma riqueza anual de um milhão de dólares, teria uma renda per capita de 10 mil dólares anualmente (renda essa parecida com as condições brasileiras). Para um país ser considerado desenvolvido, a renda per capita anual deve ser maior que 20 mil dólares. Por fim, temos o critério da longevidade, que mede a expectativa de vida média das pessoas de uma nação. Esse índice engloba indiretamente vários outros, tais como: acesso a saneamento básico e à saúde, grau de violência, etc, já que não se espera uma expectativa de vida alta para indivíduos carentes de tratamento de água e esgoto ou que vivam em lugares onde há muitos conflitos.

O segundo indicador a ser analisado é o Índice de Pobreza Humana (IPH), um critério praticamente atrelado ao IDH, visto que analisa justamente as privações expostas acima: educação, renda e longevidade para estabelecer o percentual de pobres em um país. Dentre alguns fatores investigados pelo IPH, temos os seguintes: número de mortes de recém nascidos (englobando também a mortalidade infantil), quantidade de alunos em idade escolar privados de educação básica, quantidade de crianças subnutridas e percentual da população do país que vive com menos de um ou dois dólares por dia. Cabe frisar, contudo, que o parâmetro de um ou dois dólares é variável de acordo com as condições dos países analisados. Nos desenvolvidos, esse índice salta para 11 dólares por dia, ao passo que nos países da África Subsaariana é de um dólar diário. Para a América Latina, o estudo recomenda um corte entre dois a quatro dólares. O interessante no IPH é o fato de ele equilibrar algumas possíveis distorções geradas pelo IDH e que serão comentadas mais tarde.

Outro parâmetro interessante e o único que lida diretamente com a desigualdade é o GINI. O índice mede o grau de concentração de renda de uma sociedade, demonstrando de que forma a riqueza do país é distribuída. Dessa maneira, a variação do indicador é de um (para o grau de concentração máximo em que apenas uma pessoa concentraria toda a riqueza existente no país) até zero (para nenhum grau de concentração em que a distribuição monetária seria rigorosamente repartida igualmente entre todos os membros da sociedade). Os dois extremos parecem um pouco utópicos. Os esforços são a fim de um GINI cada vez mais próximo de zero. Índices acima de 0,5 são considerados altos, entre 0,35 a 0,5 medianos e abaixo de 0,35 desejáveis.

A necessidade de se fazer uma análise conjunta dos três indicadores ocorre porque: primeiramente um IDH alto pode forjar uma desigualdade, a renda per capita de um país pode ser alta, por exemplo porque existem poucos que ganham demais e elevam esse índice. Isso acontece, por exemplo, em alguns países do Oriente Médio cuja riqueza do petróleo gera distorções homéricas entre as rendas dos mais ricos e a dos mais pobres. Dessa forma, o GINI serviria para percebermos que a renda per capita alta nesses países é em grande parte, irreal, pois a população como um todo não tem acesso a toda essa riqueza. Ademais, países com uma educação fundamental de qualidade e compulsória e relativamente estáveis podem ter IDH altos puxados por grande número de alfabetizados e expectativa de vida satisfatória (uma vez que o país se encontra politicamente estabilizado). Isso não descarta, contudo, que uma parcela significativa da população seja considerada pobre, o que ocorre, por exemplo, com Cuba. O país tem ótimos indicadores de educação (quase 100% da população é alfabetizada) e uma expectativa de vida alta (78,3 anos). A renda per capita, todavia, é de apenas 4.500 dólares, ou seja, menos de um terço do necessário para o país ser considerado desenvolvido. Ainda assim, Cuba ostenta um bom IDH (pois dois dos três fatores medidos pelo índice são considerados altos), mas isso não impede que o IPH cubano seja elevado. Por isso, mais uma vez existe a necessidade de uma análise em conjunto dos três indicadores.

As Desigualdades entre países


Devidamente explicados todos os índices, partiremos agora para as comparações entre as desigualdades expostas pelo IDH, IPH e GINI entre Noruega e Serra Leoa. Por que a escolha desses países? Primeiro porque a Noruega vem ocupando há muito tempo os primeiros lugares no IDH, enquanto Serra Leoa os últimos. Ademais, as diferenças não param por aí: a Noruega é uma das nações com menor IPH e GINI, em oposição, Serra Leoa apresenta um dos maiores níveis desses dois indicadores.

Concernente ao IDH, os últimos números divulgados em outubro de 2009 (com dados fornecidos pelos países de 2007), a Noruega ocupava o primeiro lugar no índice com um IDH de 0,971 (quanto mais próximo de 1, mais desenvolvido). Serra Leoa estava na antepenúltima posição (o 180ª país da lista) com um número que não passava de 0,365. Para melhor compreendermos essas diferenças, vamos comparar os três indicadores básicos referentes ao IDH de cada país. Referente à taxa de alfabetização, a Noruega ostenta um índice de 99% de alfabetos, em Serra Leoa, apenas 34,8% das pessoas acima de 15 anos são alfabetizadas. A expectativa no primeiro é de 80,2 anos, no segundo não passa dos 42,6 anos. Praticamente a metade. Finalmente, em relação ao último indicador, temos o seguinte abismo: renda per capita norueguesa 53.152 dólares, renda per capita leonesa 692 dólares. Parece assustador, pois é uma diferença de 76 vezes a mais para a Noruega. Em quanto tempo, ainda que o país escandinavo parasse de crescer totalmente a nação africana chegaria a essa renda per capita?

Em relação ao IPH, a Noruega não está no topo (quem ocupa essa posição é a Suécia com índice próximo a 6%),mas está próximo dele. O país não tem mais que 10% de pessoas consideradas pobres e isso adotando os critérios mais rígidos que seriam de pessoas que vivam com até 14 dólares por dia. Para se ter uma noção, se esses critérios fossem adotados no Brasil, famílias de quatro pessoas, com renda menor de 3.000 reais, seriam consideradas pobres. Como já havíamos dito, os critérios do IPH são relativizados de acordo com os países, e no caso de Serra Leoa dos rigorosos 14 dólares, passariam a ser considerados pobres os que vivessem com menos de um dólar diariamente. Ainda assim, o país apresenta um índice pouco animador: mais de 50%, ou seja, mais da metade da população do país vive com menos de um dólar e fazem parte, portanto, do grupo dos miseráveis.

Ao que tange o GINI, novamente o abismo é colossal. Parece até repetição dos parágrafos acima, mas é interessante compararmos todos os dados para que os leitores percebam o quão homérico é o contraste. O país nórdico apresenta um dos menores GINIS (apesar de não ocupar a primeira posição é, novamente um dos primeiros), com um índice de apenas 0,258 (considerado excelente). Já a nação africana possui 0,629 nesse indicador. Como já falamos, mas cabe aqui relembrar, para uma maior compreensão, números acima de 0,500 são considerados muito altos (países que apresentam grande concentração de renda), entre 0,350 e 0,500 considerados médios (países que distribuem a renda de modo razoavelmente satisfatório) e finalmente um índice abaixo de 0,350 é considerado o desejável (nações com pouco grau de concentração de renda). Nesse quesito, o país mais igual do mundo é a Dinamarca com um GINI de apenas 0,217.


E as desigualdades brasileiras?


Até agora, apesar de termos mostrado tantas desigualdades, falamos de lugares longínquos para a maior parte da população brasileira, muito distante da realidade em que vivemos. Não é de se espantar, todavia, que o Brasil, um país conhecido no mundo por uma das piore distribuições de renda, também apresente diferenças abissais entre regiões e até entre bairros do mesmo município. Antes de fazermos comparações e, provavelmente, deixar os mais incautos chocados com tamanhos díspares, precisamos salientar algumas melhorias pelas quais o país passou.

Desde 1994 com a implantação do plano real, o Brasil vem passando por uma estabilidade econômica ainda não vista no país. Com a criação da nova moeda, os índices de inflação altíssimos tornaram-se problemas do passado e hoje o país ostenta números de nações desenvolvidas. Esse controle inflacionário permitiu um ganho real do salário dos trabalhadores. Paralelamente a isso, programas criados no final da década de 90 e expandidos nos anos 2000, dentre eles o Bolsa Família, possibilitaram a melhoria de vida de pessoas que outrora se enquadram abaixo da linha da pobreza. Para se ter uma noção, o salário mínimo em meados de 1994 era de apenas 64 reais. Já o custo de vida necessário para prover uma família de quatro pessoas (de acordo com os preceitos da Constituição do que seja o salário mínimo), naquela época, segundo o Dieese era cerca de 650 reais, ou seja, uma diferença de mais de nove vezes. Em 2009, 15 anos depois, o salário mínimo é de 465 reais e, embora ainda insuficiente para suprir sequer as necessidades de uma família de quatro pessoas em 1994, representa apenas um pouco mais quatro vezes e meia menos do mínimo necessário (atualmente de 2108 reais, de acordo com o Dieese). Além disso, o índice GINI brasileiro, embora muito alto, vem apresentado queda desde 2003. Em 2009, pela primeira vez desde a década de 60, o indicador brasileiro esteve abaixo dos 0,500.

Os maiores problemas, contudo, continuam sendo o marasmo e a inércia social. Apesar das melhorias expostas acima, quando comparado a outros países que também se desenvolveram, as notícias já não são tão boas. Em 2000, com IDH de 0,785 o Brasil ocupava a 63ª colocação em um ranking de mais de 170 países. No último relatório divulgado em outubro desse ano o Brasil obteve um índice de 0,813. Evolui, mas evolui pouco, tanto é que se outrora ocupava a 63ª posição, ocupamos agora a 75ª.

Mensurar o Brasil como um todo é como agrupar uma série de países de realidades socioeconômicas completamente díspares. Felizmente não há nada no Brasil que chegue perto de Serra Leoa, mas há muito no Brasil que chega e ultrapassa a Noruega. E o pior: são pouquíssimos lugares, em detrimento de muitos que, se não chegam a ser comparáveis com o país africano, perdem e muito para a média dos países latinos.

Em termos regionais, temos Santa Catarina e Alagoas ocupando os extremos opostos. Não consideramos aqui o Distrito Federal que, caso fosse considerado, ocuparia o topo do ranking. O estado sulista apresentava um IDH de 0,840 em 2005 (último dado disponível) ante a um indicador alagoano de apenas 0,677. A renda per capita em Santa Catarina era de 17.500 reais anualmente, a expectativa de vida de pouco mais de 75 anos e um índice de analfabetismo que não chegava a 5%.Já Alagoas possuía uma renda per capita anual de apenas 5.164 reais, expectativa de vida de apenas 66 anos e 26,4% de analfabetos. Parece uma diferença gigante para o mesmo país, mas tem pior.

Como dentro de uma mesma cidade pessoas podem viver de forma tão distinta? É uma pergunta curiosidade e real. Em 2000, a Gávea desfrutava de um IDH norueguês. Aliás, os últimos dados disponíveis, os daquele ano, colocavam a Gávea com índice de 0,970. (Esse valor só foi alcançado pela Noruega em 2009). Disso, concluímos que se a Gávea fosse um país, provavelmente, teria, hoje, um IDH superior a 0,980 e seria de longe o mais desenvolvido do planeta. Por outro lado, o Complexo do Alemão, no mesmo ano, apresentava um índice de apenas 0,711 e era o bairro de pior colocação na cidade do Rio de Janeiro. O Complexo do Alemão para quem não sabe é um conjunto de favelas existentes na Zona Norte da cidade. Agora, se voltarmos aos dados regionais e compararmos o IDH de Alagoas, em 2005, com o do Complexo do Alemão em 2000, teríamos uma grande surpresa: o pior bairro da cidade do Rio de Janeiro detinha cinco anos antes, um IDH superior ao estado de Alagoas.

Não estamos mais na Noruega, não estamos mais em Serra Leoa. Estamos no Brasil e falamos de situações desiguais em territórios muitas vezes próximos demais. Tivemos a exposição de situações de imenso contraste nessa matéria, mas ainda ficou faltando muito: entender o porquê disso, como isso pode ser mudado, o que alguns estudiosos pensam sobre isso e como é o dia-a-dia dessas pessoas, sejam elas esbanjando um alto IDH ou implorando por um mais alto. Obviamente, nós do Blog Cultura e Diversidade não iríamos deixar o leitor sem resposta a esses assuntos tão complexos e por isso, ao longo das próximas semanas (e estamos trabalhando com afinco para isso), publicaremos mais uma série de reportagens com o mesmo foco, mas dessa vez não mas mostrando as desigualdades já explicitadas aqui e sim tentando entendê-las e, além disso, refletir sobre elas.




sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Editorial

A Equipe:


Queridos amigos que acompanham o Blog Cultura e Diversidade, queremos informar-lhes o porquê da criação desse espaço e quais serão os principais assuntos aqui tratados.

Primeiramente, nós do Blog Cultura e Diversidade temos uma imensa alegria em convidar a todos para lerem e refletirem sobre as questões que foram e serão expostas nesse espaço.

A função da criação do Blog partiu da necessidade de compilação de escritos meus sobre diversos assuntos relacionados à nossa sociedade: Moda, Cultura, Questões Sociais, Ambientais, Políticas. Vocês poderão notar que todos os artigos e matérias divulgados pelo Blog terão um cunho intrinsecamente social e reflexivo. Pretendemos e estamos muito desejosos em poder dialogar com nossos leitores todas as questões aqui apresentadas. Faremos reflexões, almejamos modificações (sejam elas nas nossas vidas sociais, políticas, enfim, nas nossas Culturas e Diversidades).

Estaremos atualizando com a maior freqüência possível o nosso Blog para que os leitores tenham a oportunidade de sempre encontrarem assuntos novos e instigantes para debatermos. Nossa equipe já está se esmerando para levar a todos vocês o nosso próximo artigo, que tratará sobre contrastes sociais globais, regionais e locais, fazendo comparações e reflexões entre a riqueza e a pobreza, entre o bem estar social x pauperização social,

Nossa próxima atualização está prevista para o dia 22/12, o que nada impede que a matéria seja publicada antes.

Contamos com o apóio de todos vocês para fazer desse espaço um local aberto para reflexões, discussões e amadurecimento de idéias.

Em Agradecimento,

A Equipe do Blog Cultura e Diversidade

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Moda: Fútil ou Essencial?









Não é de hoje que a Sociedade Contemporânea costuma ser um pouco hesitante quando falamos em moda. Muitos argumentam que a roupa não passa de uma mera capa convencional que tem como único objetivo cobrir a genitália das pessoas. Para os indivíduos pertencentes a esse grupo (pessoas das mais diferentes classes sociais e níveis de instrução) a Moda seria uma questão dispensável, comumente considerada fútil e fugaz. Em oposição ao grupo supracitado, temos os amantes da Moda em diferentes níveis e que utilizam argumentos variados para justificar a relevância do assunto. Quais são os pontos comuns a esses dois grupos e até que ponto eles estão certos? Seria a Moda importante ou dispensável à Sociedade Contemporânea?

Para analisarmos os questionamentos levantados acima, devemos primeiramente entender como os indivíduos lidam com o assunto, sejam eles amantes ou não da Moda. O primeiro plano que pretendemos expor é talvez o de maior ligação entre pessoas do cotidiano e a Moda: cobrir-se. Nesse âmbito, a questão é tratada como fulcral tão somente para atender aos valores éticos da contemporaneidade: não mostrar as genitálias em público. Ainda há a questão de adequação da roupa aos costumes culturais da região e às diferentes ocasiões, ou seja, não se espera uma mulher de biquíni indo a uma faculdade ou um homem de vestido saindo pelas ruas de uma cidade. Em suma, nesse nível a roupa tem o papel ético de servir como um tecido que cubra as partes consideradas impróprias para exposição pública e adequar-se moralmente a cada tipo de ocasião de acordo com a cultura a qual a pessoa está imersa. Para os indivíduos que pensam em moda dessa maneira chega a ser um fardo comprar roupas. Falar em cortes, modelos e marcas então é um assunto demasiadamente entediante para eles.

Em um segundo nível, encontramos pessoas que, além de se preocuparem com os fatores acima expostos, vão um pouco além: não basta a roupa servir como pano para cobrir genitálias e adequar-se às normais culturais, a vestimenta deve ser esteticamente bonita, apresentar um bom corte e valorizar o corpo. Nesse nível, encontramos tanto amantes da moda, quanto pessoas que apenas querem ficar bonitas utilizando-se de acessórios e ornamentos que possam proporcioná-las uma melhoria estética. Existe, portanto nesse grupo uma gama variada de membros: os tradicionais, ou seja, os que seguem as roupas clássicas e não se importam muito com tendências, novos estilos e desfiles de moda. Para esses, o importante é comprar somente quando a peça que eles usam já não é mais bonita. Então vão às compras renovando o guarda-roupa com peças similares, porém novas. Os “osmoseiros” (os que seguem a tendência por osmose) que vêem roupas novas e estilosas sendo usadas por pessoas comuns nas ruas, em novelas, no ambiente de trabalho, etc, e resolvem aderir ao novo estilo, sem uma reflexão prévia. Esse grupo raramente acompanha os desfiles de Moda, mas segue as tendências indiretamente através de outros membros da sociedade considerados ícones. Finalmente, o terceiro grupo (ainda pertencente ao segundo nível) são os chamados fashionistas, que acompanham rigorosamente os desfiles, estão por dentro do que acontece no mundo da Moda e procuram seguir as tendências e ditá-las. Ponto comum para todos serem encaixados no mesmo grupo? Apresentarem uma preocupação estética com a roupa que perpassa o primeiro nível exposto no parágrafo anterior.

O terceiro e último nível são os indivíduos que, além de terem todas as preocupações apresentadas acima pelos dois níveis supracitados, vão um pouco além: utilizam a moda como um instrumento para passar suas idéias, suas visões de mundo e suas contestações ou aprovações em relação às tradições culturais. Para esse grupo não basta se vestir e se vestir de forma bonita, é preciso que a roupa passe um conceito, expresse uma identidade clara. Sendo assim, se uma calça xadrez “está na moda”, provavelmente o segundo grupo (excluindo-se os tradicionalistas) iria usá-la sem saber exatamente o porquê de o xadrez estar na moda, o que significa uma peça xadrez, o que essa roupa passa em termos conceituais. Já os membros do terceiro nível não; iriam questionar o porquê do xadrez, qual a relevância do xadrez para eles e de que modo essa tendência pode ou não se coadunar à visão de mundo desses indivíduos. Se essa roupa não estiver em consonância com os valores culturais e visões de mundo que essa pessoa pretende passar, ela não vai usar essa peça, independentemente, de estar ou não na moda. Nesse âmbito, muito mais que seguir tendências, a Moda é vista como ideológica: subversiva ou não aos valores de uma sociedade, em consonância ou não com o status quo de uma cultura.

Tendo separado a relação que as pessoas têm com a Moda em três níveis, seria interessante agora responder às perguntas levantadas no parágrafo inicial: existem pontos em comum entre esses três níveis e em que aspectos a Moda é ou não fútil? O ponto em comum a que chegamos é o fato de todos, em uma sociedade, serem obrigados a se cobrir com roupas sob pena de ‘atentado violento ao pudor”, caso descumpram essa lei. Outro ponto é a questão da pertinência da roupa de acordo com a cultura e ao local. Nenhuma pessoa de bom senso iria ao trabalho de sunga ou biquíni da mesma forma que nenhuma pessoa de bom senso iria à praia de terno e gravata. Mas só isso não é Moda, não é verdade? Porque se parasse por aí, não precisaria haver desfiles de Moda, novas tendências e estilos diferentes, afinal as roupas seriam sempre as mesmas, atemporais, mudando tão somente de acordo com a ocasião. Mas e as pessoas que expressam, ainda que não se dêem conta disso, através das roupas?

Chegamos, então, a um ponto interessante: aos grupos culturais identificáveis através da roupa. Dentre eles temos os religiosos (padres, freiras, muçulmanos, monges, etc) os de profissão (médicos, dentistas, enfermeiros) os de gostos parecidos (emos, punks, pagodeiros, fukeiros, rockeiros) todos, por mais diferentes que sejam, usam a roupa como símbolo e representação de um grupo, tanto é que logo os identificamos. Como eles podem pensar que a Moda é fútil se eles se utilizam justamente da roupa como uma forma de pertencimento a uma classe? Claro que eles poderiam pensar que estamos misturando alhos com bugalhos e que Moda não é isso, Moda é apenas aquilo que vemos nas passarelas, pessoas que ditam tendência, fashionistas que estão trocando de roupa e estilo de dois em dois meses, etc. Mas será que a Moda é apenas isso? Dessa forma, os grupos acima não se sentiriam pertencentes ao assunto e até o menosprezariam sob o pretexto que o que eles vestem não é Moda? Talvez os membros aqui intitulados como “os de gosto parecido” seriam os menos hesitantes em admitir que seguem uma tendência, uma Moda. Mas como convencer médicos, dentistas e até padres e monges da mesma coisa? Interessante, nesse ponto, é notar a simbologia das cores de acordo com a cultura e a visão de mundo dos povos. Em muitos países do oriente, por exemplo, a cor preta representa paz, enquanto o branco o luto. Será que se esses conceitos fossem dominantes em nossa sociedade, então médicos e enfermeiros, ao invés do branco, passariam a usar o preto como uniforme de trabalho? E a questão dos religiosos? A roupa que um padre usa hoje é a mesma de outrora? Por que o símbolo máximo da Igreja Católica, o papa Bento XVI, se veste com sapatos Prada? Seria ele um fútil?
As indagações levantadas acima, muito mais do que gerar polêmica, tem como objetivo mostrar que muitas pessoas e muitos grupos que condenam a Moda, chamando-a de fútil, na verdade, utilizam-se dela como aspecto fulcral para representarem seus ideais. E, sob esse prisma, como poderiam dizer que a Moda é fútil se eles mesmos fazem uso dela, ainda que sem saber disso?

O grande problema e a questão aqui levantada é que o terceiro nível da Moda (que engloba também os dois primeiros) não é percebido pela maioria das pessoas, muitas vezes nem pelos estilistas e muito menos pelos fashionistas ou pessoas do cotidiano. Dessa forma, o assunto fica relegado a um status de exibicionismo, de futilidade, e, de modo mais fatídico, ao capitalismo e ao lucro. Já o seu caráter de contestação social, de arte e manifestação cultural, de exposição de uma visão de mundo seja ela subversiva ou não – o que é a parte mais importante da Moda - não é identificado pela grande parte das pessoas. Daí então tudo fica muito bizarro: estilistas mostrando na passarela roupas consideradas esquisitas com modelos usando cortes de cabelo mais esquisito ainda. Pessoas pagando 600 reais em uma calça para ratificarem o seu status social dentro de um grupo. Pessoas “trendy”, que não sabem nem o que estão usando. Tudo muito bizarro, muito bizarro para os que vêem de fora. Fútil? Depende do nível.